Garantia de direitos trabalhistas em momento de crise econômica
Por Raimundo Simão de Melo
O Direito do Trabalho nasceu por necessidade humanitária de se
regulamentar as relações de trabalho entre empregadores e empregados,
visando à proteção destes. O seu marco principal foi a Revolução
Industrial, quando os trabalhadores eram expostos às mais indignas e
desumanas condições de trabalho, cumprindo jornadas excessivas de até 16
horas por dia, não tinham salário mínimo garantido e outros direitos
básicos fundamentais ao asseguramento de uma mínima dignidade como seres
humanos. Daí surgiu a organização sindical e a necessária intervenção do
Estado, que até então era omisso.
A criação do Direito do Trabalho no Brasil teve início no começo do
século XX, primeiro, totalmente legislado e, depois, normatizado pela
Justiça do Trabalho através do seu poder normativo e mais na frente
também de forma negociada, levando, com o tempo, a importantes
conquistas, porém, com sacrifício e muita luta dos trabalhadores
organizados em sindicatos, que nasceram livres e depois, especialmente
na era Vargas a partir de 1937, passaram a ser controlados pelo Estado.
Com a Constituição Federal de 1988 os direitos sociais e fundamentais
trabalhistas sofreram importante evolução, balizados pela valorização do
trabalho humano, pelo valor social do trabalho e pela livre iniciativa
(CF, artigos 1º e 170). Podemos afirmar, pois, que a Carta de 1988
manteve direitos já existentes e acrescentou outros, voltados à
personalidade do trabalhador, como a não discriminação e proteção á vida
e integridade física e psíquica no ambiente de trabalho.
Com efeito, há muito tempo se faz presente no cenário jurídico
trabalhista a discussão envolvendo a onda de mudanças dos direitos
trabalhistas, uns preconizando a simples desregulamentação (deixar tudo
para a livre negociação entre empregados e empregadores) e outros a sua
flexibilização (flexibilizar a aplicação das normas trabalhistas).
É certo que o Direito do Trabalho no Brasil já está bastante
flexibilizado, cujos importantes exemplos são a quebra da estabilidade
no emprego, substituída pelo FGTS, a denúncia da Convenção 158 da OIT,
que regula o procedimento de demissões coletivas e a criação da Lei
6.019/74 sobre trabalho temporário, que com o tempo influenciou
sobremaneira o processo de terceirização das atividades produtivas e de
serviços, que avança a cada dia. Faz-se muito presente no momento o
alerta de Cesarino Júnior sobre essa lei, o qual temia as suas
consequências para o Direito do Trabalho já naquela época, dizendo que
ela poderia eliminar toda uma legislação social trabalhista, se
contivesse saídas e aberturas, porque nenhuma empresa iria contratar
mais empregados para assumir o ônus da legislação trabalhista.
Nessa senda, o processo de globalização e as flutuantes e corriqueiras
crises econômicas que têm atingido o mundo e o Brasil têm propiciado a
diminuição de direitos trabalhistas (desregulamentação de alguns
direitos e muita flexibilização de outros). Nesse contexto torna-se
difícil manter as atuais conquistas e, mais ainda, conquistar novos
direitos.
Em momento de crise econômica, como a que se vive hoje no Brasil, muitas
vezes são as empresas que procuram os Sindicatos ou os trabalhadores
diretamente, para negociar redução ou flexibilização de direitos, como,
por exemplo, demissões em massa, planos de demissão voluntária,
suspensão temporária do contrato de trabalho (lay-off) para participação
dos empregados em cursos e programas de qualificação profissional,
concessão de férias coletivas, redução temporária da jornada da trabalho
e salário, pagamento parcelado das verbas rescisórias, entre outras
situações não comuns em épocas normais.
Os sindicatos, que no Brasil, na sua maioria, são fracos e
desorganizados, enfrentam muitas dificuldades para negociar com os
patrões, especialmente em épocas de crise econômica. O certo é que em
muitos casos não há verdadeiramente uma negociação, mas, imposição: o
empregador apresenta uma única proposta sem oferecer alternativas e
diálogo. É o “pegar ou largar”.
A negociação coletiva, certamente, é o meio mais importante para a
solução dos conflitos de trabalho entre empregados e empregadores, desde
que haja transparência e boa fé entre as partes. Assim, de um lado,
devem as empresas, ao alegarem motivo de crise econômica, provar não
apenas que estão lucrando menos, mas, que está sofrendo prejuízo a ponto
de inviabilizar a sua atividade, porque como se sabe, há empresas em
crise, mas outras se aproveitam do momento para querer reduzir custos e
direitos. De outro lado, os Sindicatos devem agir com muito
responsabilidade e criatividade e organizar os trabalhadores e a eles
apresentar a situação real, a fim de obter aprovação de soluções que
visem especialmente preservar empregos.
Ademais disso, não se pode prescindir da presença e participação do
Estado em momentos de crise, de difícil solução direta entre as partes.
O Estado tem obrigação de compreender a situação e contribuir na busca
de soluções que evitem mais problemas sociais, porque baixa
produtividade, desemprego e poucas vendas acarretam consequências para
toda sociedade.
Nesse diapasão, invoco a participação do Executivo por meio do
Ministério do Trabalho, ajudando nas negociações e, igualmente, do
Ministério Público do Trabalho, que também tem papel importante na
mediação de conflitos trabalhistas, desvestindo-se os seus membros,
nessa tarefa, do seu poder investigativo. Igualmente, a Justiça do
Trabalho, desde e especialmente a primeira instância, pode contribuir
ajudando as partes na solução dos problemas, que se avolumam a cada dia,
exercendo mais o seu papel conciliatório do que mesmo de julgar, que
deve ficar para a última hipótese. Se o TST está abrindo a possibilidade
de conciliação trabalhista antes do ajuizamento de Dissídios Coletivos,
essa mesma solução deve ser pensada para a primeira instância, onde
estão os graves e complexos problemas que afligem os trabalhadores, que
muitas vezes perdem o emprego e sequer recebem os direitos básicos
alimentares, e simplesmente terão que aguardar uma audiência de
conciliação depois muitos meses pela frente.
É claro que estamos falando de um momento de crise, que se espera seja
passageiro, mas que requer compreensão e esforço de todos para se
encontrar soluções também passageiras, sem, pelo motivo da crise
cíclica, retirar direitos básicos fundamentais dos trabalhadores, o
chamado patamar civilizatório mínimo ao trabalhador, como preconiza
Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho. 15a ed. SP, LTr,
2016, p. 1465-1467).
As questões são pontuais porque a atual crise econômica que assola o
Brasil será passageira, como tantas outras que já enfrentamos, a qual
não pode ser motivo para justificar um desmonte do Direito do Trabalho,
como querem algumas pessoas não comprometidas com as garantias sociais
mínimas dos trabalhadores.
Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico e advogado. Procurador
Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das Relações
Sociais pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário UDF.
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros
jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do
trabalhador.
Revista Consultor Jurídico, 6 de maio de 2016, 11h43
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