O Hospital de Clínicas de Porto
Alegre e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) estão elaborando um projeto para
viabilizar os primeiros testes no Brasil de um aparelho capaz de detectar uso de
drogas, além de álcool, na saliva de motoristas. O alvo das autoridades é
identificar, principalmente, a utilização de anfetaminas, os chamados rebites,
por motoristas profissionais. A PRF não sabe estimar quantos acidentes no
trânsito são causados por influência de anfetaminas, mas informou que, no ano
passado, foram apreendidos cerca de 120 mil comprimidos da droga com condutores,
a maioria caminhoneiros que usam a substância para aumentar a jornada de
trabalho.
O equipamento que será testado no Brasil, conhecido como
DDS-2, é capaz de detectar um espectro de 25 drogas. Mas o chefe da Comunicação
Social da PRF no Rio Grande do Sul, Alessandro Castro, advertiu que o foco do
projeto será identificar, pela ordem, maconha, cocaína, anfetaminas e
tranquilizantes, as mais comuns no trânsito brasileiro. Mesmo que o álcool
continue sendo o grande vilão no país, responsável por 32% das mortes no
trânsito em Porto Alegre, de acordo com o Centro de Pesquisa de Álcool e Drogas
da UFRGS, outras drogas já estão presentes em cerca de 5% dos óbitos registrados
a partir de 2009.
- Pode parecer pouco, mas para um trânsito que mata 50
mil pessoas por ano estamos falando de um universo de 2,5 mil vítimas de
motoristas que dirigem sob efeito de drogas. É preocupante, especialmente se
compararmos com as estatísticas de outros países – justificou Castro.
Cada kit custa cerca de US$ 5 mil
O equipamento que será testado
no Brasil, fabricado por uma empresa australiana, se assemelha a uma máquina de
cartão de crédito e faz a detecção por meio da saliva, emitindo um laudo
impresso em cerca de cinco minutos. A coleta é feita por uma espátula, que é
introduzida em um cartucho do DDS-2 para que seja feita a leitura. Cada kit
custa cerca de US$ 5 mil.
O teste em ações de campo é necessário para
validar o equipamento, que precisa ser ajustado para o espectro de drogas que
circulam pelo Brasil. De acordo com a farmacologia de cada país, é preciso
calibrar o DDS-2 para que sua utilização seja eficiente. Segundo Castro, o
objetivo é empregar o teste em ações da Balada Segura no estado para verificar a
eficiência do equipamento. O projeto tem a cooperação do Instituto de Saúde
Pública da Noruega, país que é referência na utilização do DDS-2.
Em
fevereiro, um método manual foi testado em algumas blitzes no carnaval de São
Paulo, com resultados insatisfatórios. Segundo a coordenadora do Laboratório de
Toxicologia da UFRGS, Renata Limberger, o kit multidrogas usado no início do ano
não se mostrou eficiente porque não é capaz de produzir provas contra os
usuários, além de exigir um laudo laboratorial para confirmar a detecção.
- Apenas identificar usuários não nos interessa. A preocupação principal
deve ser sempre pela responsabilização penal de quem usa drogas, lícitas ou não,
e faz uso da direção. Mesmo um medicamento de uso corrente pode causar mortes se
os condutores não tiverem uma atitude responsável – afirmou a toxicologista.
Laudo é emitido em poucos minutos, com grau de fidelidade de 90%
Ao contrário do kit multidrogas, o DDS-2 emite um laudo científico em
poucos minutos com um grau de fidelidade de 90%. Além disso, todas as amostras
coletadas e testadas passarão por prova de laboratório para confirmar o
resultado. O conjunto de informações produzidas pelo kit é suficiente para
justificar uma mudança na legislação brasileira, necessária para viabilizar a
adoção do equipamento.
Se for aprovado, a ideia é regulamentar a
utilização do DDS-2 por meio do Código Brasileiro de Trânsito. A legislação
atual já proíbe a condução de veículos sob efeito de drogas, lícitas ou não, mas
não há parâmetros legais em relação a quantidades, como no caso do álcool. Na
fase de validação, entretanto, nenhum motorista será penalizado se for flagrado
usando drogas.
O chefe do Serviço de Psiquiatria de Adição do Hospital
de Clínicas de Porto Alegre, Flávio Pechansky, adverte que o uso do DDS-2 deve
ser acompanhado por um treinamento rigoroso dos agentes de trânsito, para que
eles identifiquem outras evidências capazes de apontar uso de drogas por meio da
observação.
"Há um abismo no Brasil em relação à cultura de prevenção"
Segundo o psiquiatra, que participa do projeto de validação do DDS-2,
não adianta utilizar equipamento de última geração sem agentes preparados para
identificar sintomas simples do uso de entorpecentes, como respiração acelerada,
mãos trêmulas e olhos vermelhos. De acordo com Pechansky, os testes deverão ser
aplicados em todos os motoristas que aceitarem participar da experiência.
- Há um abismo (do Brasil) em relação à cultura de prevenção de países
europeus, especialmente na Escandinávia. Nesses países, é comum um motorista
passar por sete, oito blitzes por ano, em qualquer local e a qualquer horário do
dia. E quem se recusa pode ser levado à força, se as evidências (sobre uso de
drogas) justificarem. Aqui isso ainda é apenas um desejo nosso – afirmou o
médico
Segundo o pesquisador, o álcool continua sendo o foco principal
das campanhas de prevenção realizadas em todo o país. Mas o aumento da
utilização de outras drogas por motoristas deve preocupar as autoridades desde
já, antes que se transformem em uma nova epidemia.
Pechansky,
entretanto, não deu estimativa sobre custo do projeto, caso o equipamento seja
validado, e nem prazo para implantação em larga escala nas patrulhas
rodoviárias.
Flávio Ilha
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