terça-feira, 22 de outubro de 2013

CONGRESSO DE DIREITO DO TRABALHO RURAL PÕE EM PAUTA O CONTROVERTIDO SALÁRIO POR PRODUÇÃO

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PAINEL DO CONGRESSO DE DIREITO DO TRABALHO RURAL PÕE EM PAUTA O CONTROVERTIDO SALÁRIO POR PRODUÇÃO

Fotos: Denis Simas
Por Luiz Manoel Guimarães
As atividades do primeiro dia do XVI Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural foram encerradas com o 3º painel, dominado por uma questão: "Salário por produção na área rural viola o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana?". O tema foi abordado pelo professor Francisco José da Costa Alves, do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e pelo consultor jurídico Cristiano Barreto Zaranza, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, com a coordenação do juiz Alessandro Tristão, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV). O Congresso foi realizado pelo TRT15 no Centro Internacional de Convenção "Dr. Nelson Barbieri", em Araraquara, nos dias 17 e 18 de outubro.
Doutor em Economia pela Unicamp, com a tese "Modernização da Agricultura e Sindicalismo: As Lutas dos Trabalhadores Assalariados Rurais da Região Canavieira de Ribeirão Preto", Francisco José da Costa Alves considera que as relações de trabalho no meio rural são "um campo em conflito permanente". Nesse contexto, ele assegura ser adepto dos ensinamentos do célebre jornalista e escritor carioca Millôr Fernandes, falecido em 2012. "Como dizia Millôr, ‘é melhor entrar logo na briga do que ser baleado como um transeunte inocente que passava'."
Sobre o instituto do salário por produção no corte da cana-de-açúcar, Alves não tergiversou, condenando-o sem direito a apelação. "Nesse aspecto em particular, o setor é completamente diferente de qualquer outro", defendeu o palestrante, que lecionou como é feito o cálculo do volume de trabalho de cada cortador.
Para começar, cortar cana não é uma atividade que se limita ao corte propriamente dito, explicou ele. "O trabalhador tem de cortar o mais rente possível do chão – quem já chupou cana sabe que essa é a porção mais doce –, depois corta o tendão, que é a parte superior, e ainda limpa e transporta até o eito", descreveu. Eito, por sua vez, conforme ensinou Alves, é uma faixa de seis metros de largura, com comprimento que varia de acordo com a produtividade do trabalhador. "Acaba virando uma faixa muito comprida de cana, de cem, duzentos, trezentos e até quinhentos metros ao final da jornada. Eu já vi um trabalhador cortar mais de um quilômetro num único dia de trabalho", disparou o professor.
Embora seja essa a forma mais comum de aferição do trabalho de cada cortador, as usinas insistem, afirmou Alves, em fazer o pagamento com base no número de toneladas de cana cortada. "A cana é transportada num caminhão, que é pesado antes de ser descarregado. Descontando-se o peso do veículo, chega-se à quantidade de toneladas de cana. Mas, na hora de pagar aos trabalhadores, é feita a conversão para metro", resume o professor. "Não é um cálculo fácil", adverte o professor. "É comum que os trabalhadores desconfiem de estarem sendo roubados. Alguns sindicatos acreditam que o roubo chega a 30%."
Segundo o palestrante, 72% do corte da cana no Brasil já é feito de forma mecanizada, o que, enfatizou Alves, aumenta ainda mais a pressão sobre os cortadores que ainda remanescem. Em menos de 30 anos, dobrou a produtividade exigida de cada trabalhador, acrescentou ele. "Em 1986, a média era de seis toneladas/dia. Hoje são 12, e o piso exigido são 10. Quem cortar menos do que isso, é demitido ou não tem o contrato renovado na safra seguinte. Não por acaso, as usinas estão fazendo uma seleção cada vez mais apurada no momento da contratação, com mais rigor no exame admissional e a preferência por candidatos mais jovens", lamentou o professor.
Alves é crítico severo também do "Compromisso Nacional Para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar", objeto de debate do 1º painel do Congresso (leia matéria aqui). "Só se aperfeiçoa o que é bom", ironizou. "Em nenhum item esse acordo vai além do que já está previsto na legislação trabalhista", entende o palestrante. "O que se conseguiu foi apenas o compromisso das usinas de que vão cumprir o que está na lei. Isso significa que elas não cumpriam antes. Se cumprissem, os tribunais trabalhistas não estariam abarrotados como estão hoje."
Na opinião do professor, o "Compromisso Nacional", de certa forma, "choveu no molhado". "Foram anos de discussão em torno apenas de questões consensuais. Para quê? O importante é discutir o que não é consenso", reagiu Alves, para quem a iniciativa pecou também por excluir uma das partes interessadas no debate. "Foi um acordo nacional ‘feito a frio', sem a participação dos trabalhadores. Acordo bom é acordo ‘a quente', porque inclui a mobilização da classe trabalhadora."
Nessa conjuntura, o palestrante não vê perspectivas de melhora para a situação dos cortadores de cana. "Como dizia Darcy Ribeiro [antropólogo, escritor e político brasileiro, vice-governador do Rio de Janeiro e senador pelo estado fluminense], o Brasil é um moedor de carne... Humana!", sublinhou Alves, com ênfase na pausa.
"Os cortadores de cana são os verdadeiros heróis do agronegócio, verdadeiros superatletas", defendeu o professor, concluindo pela necessidade do fim do pagamento por produção no setor. "Defender essa ideia é defender o direito à vida", preconizou ele. "O que existe hoje é uma morte anunciada, decorrente do trabalho por produção, e quem não morre perde totalmente a capacidade de trabalho", alertou. "Vi trabalhadores que não conseguiam mais dar a mamadeira para o filho. Alguns já não podiam nem mesmo pentear os cabelos."
Ao encerrar sua fala, Alves defendeu ainda que, qualquer que seja a alternativa ao salário por produção, ela deve ser fruto de um debate que tenha a participação dos trabalhadores.
Contraponto
Com a mesma ênfase com que o professor Francisco José da Costa Alves condenou o salário por produção no corte da cana-de-açúcar, Cristiano Barreto Zaranza defendeu que a prática, quer seja na cultura canavieira, quer seja em qualquer outro cultivo – ele citou o café, o tomate e o algodão, entre outros –, "NÃO viola o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana", com direito a destaque em maiúsculas no slide de apoio. "Essa modalidade de pagamento faz parte da forma de remuneração do trabalho no campo há décadas e, além de, em regra, ser permitida legalmente, também é disciplinada em acordos ou convenções coletivas de trabalho", ponderou o palestrante. "A vontade dos atores sociais não pode ser desprezada", acrescentou ele, não sem observar que o inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal preconiza "o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho".
Segundo dados da Federação Nacional dos Agricultores (Fenagri) citados por Zaranza, no Brasil existem hoje cerca de 2,26 milhões de trabalhadores rurais que recebem salário por produção, sendo aproximadamente 440 mil no corte de cana, o setor que mais emprega dessa forma no País.
Quanto à previsão legal, no entendimento do assessor jurídico o salário por produção está amparado em três artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o 78, que prevê o salário por empreitada, tarefa ou peça; o 444, segundo o qual as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes, desde que o resultado da negociação não vá de encontro às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhe sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes; e o 457, parágrafo 1º, que prevê a formação do salário não só pela importância fixa estipulada, mas também por comissões, percentagens, gratificações, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador.
O palestrante lecionou que a jurisprudência trabalhista também fala do salário por produção, notadamente a Orientação Jurisprudencial (OJ) 235, da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A OJ garante ao empregado remunerado por produção, em caso de sobrejornada, o direito à percepção apenas do adicional de horas extras, mas excetua o cortador de cana, para quem é previsto o pagamento não só do adicional, mas também da hora extra "cheia". Zaranza citou ainda a Súmula 340 e o Precedente Normativo 67, ambos também do TST. Este último garante, ao trabalhador contratado por produção, remuneração não inferior à diária correspondente a um dia de salário, conforme o piso previsto na norma coletiva da categoria. "Quando a produção é inferior ao valor da diária, há uma complementação do valor", explicou Zaranza.
Ele admitiu que diversas pesquisas acadêmicas "já confirmaram que, pela sua própria natureza, o corte manual de cana-de-açúcar é um trabalho insalubre, penoso e degradante" e que esse quadro "é agravado pela remuneração por produção". Observou, no entanto, que, sob o argumento de que "o labor prestado em condições adversas ou gravosas à saúde não justifica a proibição de atividade profissional", a SDI-1 do TST decidiu no sentido de permitir à Souza Cruz a manutenção do "Painel de Avaliação Sensorial", que nada mais é do que o setor dos chamados "provadores de cigarro". Zaranza acrescentou ainda que, para os servidores do próprio Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), vigoram a Gratificação de Desempenho da Carreira da Previdência, da Saúde e do Trabalho (GDPST) e a Gratificação de Desempenho do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (GDPGPE), pagas mediante a realização de avaliação de desempenho individual e institucional, conforme disciplina a Portaria 197 do MTE, de 3 de fevereiro de 2011.
Sobre o "Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar", o assessor jurídico afirmou que a iniciativa introduziu uma série de melhorias na rotina de trabalho dos cortadores de cana. Trouxe, por exemplo, detalhou Zaranza, o princípio da transparência na aferição da produção desses profissionais, prevendo a existência de mecanismos previamente acertados com as representações dos trabalhadores e amplamente divulgados entre estes, permitindo-lhes "avaliar o cálculo do salário devido". Estabeleceu também que os empregados devem ser informados antecipadamente do valor a ser pago pelo seu trabalho.

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