segunda-feira, 13 de julho de 2015

MP 680 - Análise por Jorge Luiz Souto Maior



MP 680 - Análise por Jorge Luiz Souto Maior
 
Do ponto de vista econômico e da conformação social não há o mínimo 
sentido em se exigir dos trabalhadores um sacrifício para depois se 
retomar à mesma situação anterior.
 
 
Enquanto o governo grego possibilitou ao povo dizer NÃO à submissão aos 
interesses do capital estrangeiro, no Brasil, o governo disse SIM, 
fazendo-o de modo a gerar mais um sacrifício aos trabalhadores, como já 
houvera feito, na história recente, com as MPs 664 e 6651.
 
É preciso entender que a última Medida Provisória editada pelo governo, 
MP 680, segue uma diretriz que já podia ser identificada desde quando se 
pretendeu conter as manifestações de junho por meio de uma aliança 
política e econômica que tenderia a ser utilizada também contra os 
trabalhadores.
 
Em junho de 2013, cheguei a formular a seguinte advertência a respeito:
 
 
...para que fique registrado que os problemas sociais ainda persistem e 
que, portanto, a mobilização ainda tem razão de ser, sobretudo para que 
nenhum ajuste de preservação de poder, como forma de superação do 
momento de crise, seja feito de modo a, novamente, prejudicar os 
trabalhadores, como se daria, por exemplo, com o acolhimento de alguma 
das 101 (cento e uma) providências flexibilizantes requeridas pela CNI, 
com o não acolhimento da igualdade integral de direitos trabalhistas aos 
empregados domésticos e, principalmente, com a aprovação dos projetos de 
lei do ACE e da terceirização, perigo este que se torna mais concreto 
principalmente agora que o anúncio da redução da tarifa em São Paulo foi 
feito em uma coletiva com a presença do Prefeito Haddad e do Governador 
Alckmin.2
 
E a fórmula, infelizmente, se consagrou: desgasta-se politicamente o 
governo e este para se manter no poder agrada o setor econômico com a 
promoção da “venda” dos espaços públicos e a suspensão da ordem 
constitucional para realização de eventos que favorecem a grandes 
negócios comerciais, mantendo-se sob vigilância e mediante violenta 
opressão os movimentos populares de resistência, e ainda promove a 
redução dos direitos dos trabalhadores. Não se esqueça que após as 
manifestações de junho, o governo, além de promover a Copa de 2014 na 
forma como se deu, com suspensão da ordem constitucional, ainda editou 
as Medidas Provisórias 664 e 665, que retiraram direitos dos 
trabalhadores, deu alimento à retomada da PL 4.330/04, que busca a 
ampliação da terceirização, e, agora, editou a MP 680, que representa um 
golpe de morte no Direito do Trabalho e na classe trabalhadora.
 
Assim, estão conseguindo levar adiante o ideário conservador nacional 
de destruir a CLT, reduzindo direitos dos trabalhadores, e tudo para 
atender aos interesses do capital estrangeiro, sob a falsa retórica de 
uma crise, que é eterna vale lembrar, e que sempre esteve presente em 
todo argumento a favor da redução de direitos trabalhistas nos últimos 
27 (vinte e sete) anos, pelo menos.
 
E não me venham falar em necessidade econômica para a preservação da 
competitividade das empresas, pois se o sacrifício dos trabalhadores se 
apresenta como requisito necessário para salvaguardar as empresas, há 
algo muito errado no funcionamento estrutural da economia, que não vai 
se resolver por uma medida recessiva que atinge apenas uma parcela da 
sociedade, composta exatamente por aqueles que produzem valor e aos 
quais nunca se permitiu participar de forma igualitária da riqueza 
gerada.
 
Não há, afinal, nenhuma garantia que a mera redução de custos das 
empresas solucione problemas de crises estruturais. Aliás, o que se pode 
prever, ao ser assumida a lógica recessiva, é exatamente a retração do 
mercado e a ampliação da crise, com benefício apenas para quem conta com 
o mercado consumidor externo, servindo, ainda, aos oligopólios.
 
De todo modo, como já dito no “Manifesto contra Oportunismo e em Defesa 
dos Direitos Sociais”, publicado em 2009, quando em razão da crise de 
2008, seguimentos econômicos também reivindicavam a redução de direitos 
trabalhistas, “a superação de uma crise econômica estrutural requer 
sacrifícios de cima para baixo e não de baixo para cima. Não se promove 
uma sociedade, salvando empresas e deixando pessoas à beira da fome. Se 
há um problema na conjuntura econômica, que atinge a todos 
indistintamente, e não apenas a uma ou outra empresa, é necessário, 
então, o sacrifício conjunto, começando pelos próprios empresários e 
passando por diversos outros setores da sociedade (profissionais 
liberais, servidores públicos, senadores, deputados, prefeitos, 
governadores, juízes etc.). É impensável que se busque a solução de 
problemas econômicos estruturais do país com o sacrifício apenas de 
trabalhadores cujo salário já está entre os mais baixos do mundo.”3
 
Para atacar a crise não se viu nenhuma redução dos lucros de grandes 
empresas e Bancos, e de ganhos de governantes, políticos, 
desembargadores, juízes, diretores de grandes empresas e acionistas, 
além do necessário ajuste fiscal, para tributação das grandes fortunas, 
por exemplo. O que se viu foi a concessão de benefícios fiscais à FIFA; 
a realização de ajustes com grandes empreiteiras dos quais adveio a 
retomada do projeto de ampliação da terceirização; um permissivo, pela 
falta de fiscalização, de uma maior precarização nas condições de 
trabalho, com o consequente aumento dos acidentes do trabalho; uma 
intensa repressão policial a greves e a movimentos sociais etc.
 
E neste quadro, em que os trabalhadores historicamente são tratados 
como inimigos, diante de nova “crise” estes são chamados de “parceiros” 
ou “colaboradores”, para oferecerem o seu sacrifício em prol do 
engrandecimento geral da nação ou, meramente, do fortalecimento da 
economia, que é uma economia que promove, como se sabe, extração de 
valor do trabalho em benefício de alguns poucos e, de forma mais 
precisa, de empresas de capital estrangeiro.
 
E o que diz a MP 680, exatamente?
 
A MP 680, de 6/7/15, instituiu o que chamou de Programa de Proteção ao 
Emprego, com os seguintes objetivos:
 
 
“I - possibilitar a preservação dos empregos em momentos de retração da 
atividade econômica;
 
II - favorecer a recuperação econômico-financeira das empresas;
 
III - sustentar a demanda agregada durante momentos de adversidade, 
para facilitar a recuperação da economia; IV - estimular a produtividade 
do trabalho por meio do aumento da duração do vínculo empregatício; e V 
- fomentar a negociação coletiva e aperfeiçoar as relações de emprego” 
(art. 1º).
 
Essa tal “proteção ao emprego” se daria, concretamente, nos termos da 
MP, por intermédio da redução temporária, em até trinta por cento, da 
jornada de trabalho dos empregados, com a redução proporcional do 
salário (art. 3º.), permissivo concedido às empresas que aderirem, até 
31/12/15, ao PPE e se “encontrarem em situação de dificuldade 
econômico-financeira, nas condições e forma estabelecidas em ato do 
Poder Executivo federal” (art. 2º).
 
Essa redução poderá ter duração de seis, com possibilidade de 
prorrogação para 12 meses, e terá como condição a “celebração de acordo 
coletivo de trabalho específico com o sindicato de trabalhadores 
representativo da categoria da atividade econômica preponderante, 
conforme disposto em ato do Poder Executivo” (§ 1º, art. 3º.).
 
Em compensação pela redução temporária, que “deverá abranger todos os 
empregados da empresa ou, no mínimo, os empregados de um setor 
específico” (§ 2º, art. 3º), a MP confere algumas “vantagens” aos 
trabalhadores: a) garantia do recebimento do salário mínimo a ser pago 
pela empresa; b) compensação pecuniária equivalente a cinquenta por 
cento do valor da redução salarial e limitada a 65% (sessenta e cinco 
por cento) do valor máximo da parcela do seguro-desemprego, enquanto 
perdurar o período de redução temporária da jornada de trabalho; c) 
garantia de emprego durante o período em que vigorar a adesão da empresa 
ao PPE, estendendo-se ao prazo equivalente a um terço do período de 
adesão, após cessada esta.
 
Dá-se a impressão que os trabalhadores saem beneficiados porque lhe são 
garantidos os empregos e ainda recebem uma compensação pecuniária paga 
pelo governo de até 65% do seguro-desemprego.
 
Mas o abalo é enorme.
 
Primeiro, porque a lógica da MP 680 agride a pedra de toque do Direito 
do Trabalho, cuja função é a de melhorar a condição social dos 
trabalhadores e não a de criar mecanismos para adaptação a um modelo 
econômico falido (art. 7º, CF).
 
Segundo, porque atribui aos sindicatos, por meio da negociação 
coletiva, o papel de algozes dos direitos dos trabalhadores e não o de 
protagonistas na luta por melhores condições. Esse, aliás, é um dos 
piores problemas da lógica trazida pela MP, o da fragilização da atuação 
sindical, já que as grandes empresas, que possuem forte poder negocial, 
diante do permissivo ou, mais propriamente, incentivo estatal, saberão 
jogar os trabalhadores contra os sindicatos e colocar sindicatos uns 
contra os outros, expondo-os à concorrência do “quem cede mais para 
garantir empregos”, punindo os “xiitas”.
 
Terceiro, porque nos impulsiona a raciocinar na perspectiva do mal 
menor, naturalizando a exploração e o sofrimento dos trabalhadores, para 
preservar um sistema que há longa data prioriza uma pequena parcela da 
sociedade e que, no caso de um capitalismo periférico e dependente como 
o Brasil, favorece a evasão de divisas.
 
Há, de todo modo, problemas jurídicos insuperáveis para o alcance dos 
propósitos politicamente nebulosos e economicamente equivocados da MP 
680.
 
A respeito do alcance jurídico da negociação coletiva, cumpre 
reproduzir o que já disse por ocasião de apelo empresarial semelhante, 
em 2009:
 
 
É neste sentido que se consagrou no direito comparado a idéia de que os 
instrumentos coletivos de natureza normativa (acordos coletivos, 
convenções coletivas e sentenças normativas) têm por objetivo melhorar 
as condições sociais e econômicas do trabalhador, não se prestando, 
pois, à diminuição das garantias já auferidas.
 
É totalmente equivocado, desse modo, considerar que acordos e 
convenções coletivas de trabalho possam, sem qualquer avaliação de 
conteúdo, reduzir direitos trabalhistas legalmente previstos, 
simplesmente porque a Constituição previu o "reconhecimento das 
convenções e acordos coletivos de trabalho" (inciso XXVI, do art. 7º.) e 
permitiu, expressamente, por tal via, a redução do salário (inciso VI, 
art. 7º.), a compensação da jornada (inciso XIII, art. 7º.) e a 
modificação dos parâmetros da jornada reduzida para o trabalho em turnos 
ininterruptos de revezamento (inciso XIV, do art. 7º.).
 
Ora, o artigo 7º., em seu "caput", deixa claro que os incisos que 
relaciona são direitos dos trabalhadores, ou seja, direcionam-se a um 
sujeito específico, o trabalhador, não se podendo entendê-las, 
conseqüentemente, como algum tipo de proteção do interesse econômico dos 
empregadores. Além disso, as normas são, inegavelmente, destinadas à 
melhoria da condição social dos trabalhadores.
 
Não se pode ver nos preceitos fixados nos incisos do art. 7º. os 
fundamentos jurídicos para fornecer aos empregadores a possibilidade de, 
por um exercício de poder, induzirem os trabalhadores, mesmo que 
coletivamente organizados, a aceitarem a redução dos direitos 
trabalhistas legalmente previstos, ainda mais quando tenham sede 
constitucional e se insiram no contexto dos Direitos Humanos.
 
O inciso VI, do art. 7º., por exemplo, que cria uma exceção ao 
princípio da irredutibilidade salarial, permitindo a redução do salário, 
e nada além disso, por meio de negociação coletiva, insere-se no 
contexto ditado pelo "caput" do artigo, qual seja, o da melhoria da 
condição social do trabalhador e não se pode imaginar, por evidente, que 
a mera redução de salário represente uma melhoria da condição social do 
trabalhador. Assim, o dispositivo em questão não pode ser entendido como 
autorizador de uma redução de salário só pelo fato de constar, 
formalmente, de um instrumento coletivo (acordo ou convenção).
 
A norma tratada, conseqüentemente, só tem incidência quando a medida se 
considere essencial para a preservação dos empregos, atendidos certos 
requisitos. A Lei n. 4.923/65, ainda em vigor, mesmo que parte da 
doutrina assim não reconheça, pois não contraria a Constituição, muito 
pelo contrário, fixa as condições para uma negociação coletiva que 
preveja redução de salários: redução máxima de 25%, respeitado o valor 
do salário mínimo; necessidade econômica devidamente comprovada; período 
determinado; redução correspondente da jornada de trabalho ou dos dias 
trabalhados; redução, na mesma proporção, dos ganhos de gerentes e 
diretores; autorização por assembléia geral da qual participem também os 
empregados não sindicalizados.
 
A própria Lei de Falência e Recuperação Judicial, n. 11.101/05, de 
vigência inquestionável, parte do pressuposto ao respeito à política de 
pleno emprego, à valorização social do trabalho humano e à obrigação de 
que a livre iniciativa deve assegurar a todos uma existência digna, 
conforme os ditames da justiça social.
 
A recuperação judicial é um mecanismo jurídico, cuja execução compete 
ao Estado, por intermédio do Poder Judiciário, e tem por finalidade 
preservar as empresas que estejam em dificuldade econômica não induzida 
por desrespeito à ordem jurídica e que tenham condições de se 
desenvolver dentro dos padrões fixados pelo sistema, tanto que um dos 
requisitos necessários para a aprovação do plano de recuperação é a 
demonstração de sua "viabilidade econômica" (inciso II, do art. 53, da 
Lei n. 11.101/05).
 
O art. 47, da Lei n. 11.101/05, é nítido quanto a estes fundamentos: "A 
recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação 
de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção 
da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos 
credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social 
e o estímulo à atividade econômica." (grifou-se)
 
Fácil verificar, portanto, que tal lei não se direciona à mera defesa 
do interesse privado de um devedor determinado. A lei não conferiu um 
direito subjetivo a quem deve, sem se importar com a origem da dívida e 
a possibilidade concreta de seu adimplemento. Não estabeleceu, 
conseqüentemente, uma espécie de direito ao "calote", até porque sem a 
possibilidade concreta de manter a atividade da empresa com base em tais 
postulados esta deve ser conduzida à falência (art. 73, da Lei n. 
11.101/05).
 
O que há na lei é a defesa das empresas numa perspectiva de ordem 
pública: estímulo à atividade econômica, para desenvolvimento do modelo 
capitalista, preservando empregos e, em conformidade com a Constituição, 
visualização da construção de uma justiça social.
 
A lógica do ordenamento jurídico que se direciona à manutenção da 
atividade produtiva das empresas é a da preservação dos empregos, 
admitindo como meios de recuperação judicial, a “redução salarial, 
compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou 
convenção coletiva” (art. 50, inciso VIII, da Lei n. 11.101/05).
 
Para tanto, exige-se, ainda, a "exposição das causas concretas da 
situação patrimonial" da empresa e "das razões da crise 
econômico-financeira" (inciso II, do art. 51), além da "demonstração de 
sua viabilidade econômica" (inciso II, do art. 53), dentre diversos 
outros requisitos, sendo relevante destacar que a dispensa coletiva de 
empregados, em respeito ao art. 7º, I, da Constituição, não está 
relacionada como um meio de recuperação da empresa (vide art. 50).
 
Como se vê, a ordem jurídica não autoriza concluir que os modos de 
solução de conflitos trabalhistas possam ser utilizados como 
instrumentos de meras reduções dos direitos dos trabalhadores, sendo 
relevante realçar os fundamentos que lhe são próprios, conforme acima 
destacado:
 
a) fixar parâmetros específicos para efetivação, em concreto, dos 
preceitos normativos de caráter genérico referentes aos valores 
humanísticos afirmados na experiência histórica;
 
b) melhorar, progressivamente, as condições sociais e econômicas do 
trabalhador.4
 
Ou seja, só se pode chegar ao efeito preconizado pela MP 680 dentro dos 
parâmetros jurídicos trabalhistas e respeitando-se o projeto 
constitucional. O argumento da crise, portanto, para atingir os 
trabalhadores deve se inserir em um padrão de sacrifício geral, 
atingindo, primeiramente, e de forma mais intensa, as camadas 
privilegiadas da sociedade.
 
E dentro desse contexto de autêntico pacto social, há de definir que 
tipo de sociedade se está salvando, afinal. Vamos salvar empresas 
multinacionais que ao longo de décadas exploraram o trabalhador 
brasileiro, acumulando riquezas? Vamos salvar empresas que chegaram à 
situação de dificuldade econômica por conta de má gestão de 
descapitalização irresponsável? Vamos salvar empresas que jamais 
respeitaram direitos trabalhistas ou cumpriram obrigações fiscais e 
previdenciárias? Vamos salvar um Estado que arrecada parte da riqueza 
produzida para favorecer, mediante empréstimos, a reprodução desse 
modelo de acumulação socialmente irresponsável? Vamos nos sacrificar 
para manter privilégios? Vamos nos sacrificar para favorecer a 
manutenção de um modelo de exploração internacional do trabalho, que 
remete todos os ganhos de capital aos países do capitalismo central?
 
Dito de outro modo: vamos salvar um modelo que produz desigualdade e 
sequer tem sido capaz de garantir aos cidadãos serviços públicos mínimos 
em áreas consideradas pela Constituição como fundamentais: educação, 
saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência 
social, proteção à maternidade e à infância, e assistência aos 
desamparados? (art. 6º, CF)
 
Assim, mesmo para se chegar a um pacto social deve-se conseguir, de 
forma clara e objetiva, responder a uma indagação fundamental: qual é o 
projeto? Ou ainda: o que se está fazendo concretamente para se alcançar 
uma sociedade verdadeiramente igualitária, na qual todos possam viver 
com dignidade?
 
Sem essas definições, que trazem a necessidade de se fazer 
enfrentamentos com relação ao grande capital, que, ademais, foi 
acumulado ao longo de décadas de exploração do trabalho, pedir aos 
trabalhadores que paguem a conta da crise é um despropósito sem tamanho, 
uma afronta à inteligência humana. É, na verdade, uma enorme violência!
 
Mas não nos furtemos a enfrentar de forma mais precisa os termos, 
contradições e formas fugidias da MP, visualizada, então, no contexto de 
situações individualizadas.
 
Destaque-se, primeiramente, a retórica de que o governo vai pagar uma 
compensação pecuniária aos trabalhadores. Ora, o dinheiro do FAT é um 
patrimônio da classe trabalhadora. Assim, os próprios trabalhadores 
estariam pagando parte de seu salário, mas para favorecer a um interesse 
econômico das empresas. Verdade, que esse dinheiro também serve aos 
propósitos do BNDES, mas isso só agrava a situação, pois de fato o 
pagamento aos trabalhadores, para aceitarem redução de salários, 
conferindo às empresas, consequentemente, menor custo, representa uma 
forma de fomento indireto, que as empresas sequer precisariam pagar.
 
A MP, além disso, não exige comprovação da dificuldade econômica, como 
exige, por exemplo, a Lei n. 4.923/65, acima citada, comprovação esta 
que somente pode se dar, de forma plena, com realização de uma auditoria 
independente e não por mera alegação.
 
A redução de jornada precisaria, também, ser acompanhada de definição 
clara quanto ao ritmo de trabalho, para evitar a extração de mais valor 
na jornada menor.
 
Além da necessidade de uma redução, na mesma proporção, de ganhos de 
diretores, acionistas, fomentadores e credores de toda espécie, a MP 
ainda teria que estabelecer que a situação temporária se inseriria 
necessariamente no contexto da visualização da retomada da situação 
inicial. Não há uma compensação equivalente, como supõe a MP, com a 
preservação dos empregos durante a redução, e a extensão dessa 
“estabilidade” pelo prazo de um terço do tempo da redução. Isso só se 
daria com a preservação do emprego pelo período de pelo menos o dobro do 
tempo da redução (fórmula adotada, por exemplo, com o trabalho no dia 
destinado à folga semanal e na negação ao direito de férias), com a 
recomposição dos valores dos salários, incluindo as perdas 
inflacionárias do período, já que o princípio do Direito do Trabalho, 
calcado no projeto constitucional, é o da melhoria da condição social 
dos trabalhadores, repita-se.
 
Impressiona, ainda, o caráter discriminatório e antissocial da MP, que 
inclusive não possui qualquer base econômica, de permitir que a redução 
atinja apenas aos “empregados de um setor específico” (§ 2º, art. 3º), 
sendo que se a redução é precedida de acordo coletivo o que a MP faz é 
estimular uma divisão odiosa entre os empregados da empresa na votação 
pela redução setorial.
 
Certo é que há inúmeros equívocos jurídicos na MP, que a tornam 
impraticável, sendo que do ponto de vista econômico e da conformação 
social não há o mínimo sentido em se exigir dos trabalhadores um 
sacrifício para depois se retomar à mesma situação anterior, que foi, 
ademais, a que deu origem à crise e que tem dado causa a tantos 
desajustes sociais.
 
Já que querem visualizar sacrifícios, para superar problemas 
estruturais, que se o faça dentro de um projeto com vistas a melhorar as 
coisas e não para deixá-las exatamente como estavam antes das medidas 
adotadas, correndo o risco de piorá-las.
 
À adaptação e à naturalização da trágica situação em que há muito vivem 
milhões de brasileiros digamos NÃO!
 
______________
 
1 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Tragédias anunciadas: as medidas provisórias 
de Dilma.
 
2 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A redução da tarifa e os trabalhadores.
 
3 Disponível em: clique aqui.
 
4 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Negociação coletiva de trabalho em tempos de 
crise econômica.
 
______________
 
*Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente de Direito do 
Trabalho da Faculdade de Direito da USP.
 
 
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