terça-feira, 18 de novembro de 2014

COMBATE À EXPLORAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

OTÍCIAS

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SEMINÁRIO ABORDA INICIATIVAS DE SUCESSO NO COMBATE À EXPLORAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Por Ademar Lopes Junior
O Seminário "Combate ao Trabalho Infantil e Políticas Públicas – Boas Práticas", realizado em São José do Rio Preto na última sexta-feira, 14/11, deu início aos trabalhos da tarde com o 2º painel, denominado "Políticas Públicas". A mesa reuniu o desembargador do TRT-9 (PR) Ricardo Tadeu Marques da Fonseca e o procurador do trabalho na 18ª Região (GO) Tiago Ranieri de Oliveira. A coordenação do painel ficou a cargo do juiz Hélio Grasselli, diretor do Fórum Trabalhista de São José do Rio Preto.
Tiago Ranieri de Oliveira, que também é representante da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), abriu o painel falando sobre o "Projeto de políticas públicas para o combate ao trabalho infantil". O procurador defendeu a necessidade de os municípios investirem mais nessa área, observando que, regra geral, eles não têm investido "nem 5% de seu orçamento em políticas públicas para combater o trabalho infantil".
A principal dificuldade de se detectar o trabalho infantil, segundo Ranieri, salvo nos casos extremos, é porque "o trabalho infantil é invisível, uma vez que é aceito pela sociedade". Crianças que entregam panfletos nas ruas, engraxates, vendedores ambulantes, guardadores de carros, entre outros, se misturam com a população e passam despercebidos, como se, de fato, não estivessem trabalhando, argumentou. Essa situação induz, ainda segundo o procurador, à falsa crença de alguns prefeitos, que chegam a afirmar que, em seu município, "não existe a exploração do trabalho infantil".
O palestrante também defendeu que "não adianta afastar as crianças do trabalho; é preciso dar a elas alternativas". Para isso, apenas um trabalho em rede, envolvendo secretarias de assistência social, de educação e de saúde (tríade de proteção), garantiria, segundo Ranieri, mais sucesso no combate ao trabalho infantil. O palestrante elogiou a atuação do TRT-15, à qual chamou de "progressista", e falou da atuação do Ministério Público do Trabalho, especialmente o de Goiás, que tem promovido uma "reflexão sobre o tema", de acordo com o procurador. O principal ponto da palestra de Ranieri foi a reflexão sobre a "busca ativa dos Termos de Ajuste de Conduta (TAC)", que, segundo o palestrante, devem ser "costurados" em conjunto com o poder público municipal. Essa busca ativa, diz Ranieri, deve garantir orçamentos municipais destinados a políticas públicas de combate ao trabalho infantil, além de promover campanhas periódicas de conscientização.
O segundo painelista, o desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, que também é professor doutor da Universidade Positivo, em Curitiba, defendeu, num discurso inflamado, o repúdio ao trabalho infantil. Ele preconizou também a participação do Judiciário no combate à exploração de crianças e adolescentes no mercado de trabalho. O magistrado criticou a imprensa brasileira, segundo ele "monocórdica" no que diz respeito à defesa das leis de mercado.
O ponto principal da palestra do desembargador Ricardo Fonseca foi a aprendizagem, que, segundo ele, "não pode ser empírica, mas com método". O magistrado também defendeu o estágio apenas para estudantes do ensino superior e ressaltou que "o ensino médio deveria garantir apenas aprendizagem".
O terceiro painel
"Malefícios do trabalho infantil e boas práticas" foi o tema do 3º e último painel do seminário, com a participação da auditora fiscal do trabalho no Rio Grande do Norte Marinalva Cardoso Dantas, que também é coordenadora do Projeto de Erradicação do Trabalho Infantil e do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil, Aprendizagem e Proteção ao Adolescente Trabalhador. Integrou também o painel a coordenadora técnica do Movimento Vida Melhor, Verônica Aparecida Zibordi Rosa. A juíza Scynthia Maria Sisti Tristão, titular da VT de Tanabi e representante da Escola Judicial do TRT-15 na Circunscrição de São José do Rio Preto, ficou responsável pela apresentação do painel.
A primeira palestrante, a auditora Marinalva Dantas, falou sobre a vulnerabilidade do trabalho infantil e as doenças ocupacionais e acidentes de trabalho causados por esse tipo de trabalho. A palestrante apresentou vídeos feitos com crianças nordestinas que trabalham no beneficiamento da castanha de caju. As imagens impressionaram o público do seminário, principalmente pela crueza de um trabalho que se arrasta diariamente por cerca de oito horas e que tem início ainda de madrugada, em palhoças iluminadas por luz de lamparina e candeeiros. Nesse ambiente, crianças a partir dos cinco anos começam o trabalho da quebra da castanha, enquanto outras, pouco mais velhas, lidam com o fogareiro onde são torradas as castanhas e, não raro, são vítimas de queimaduras. A palestrante apresentou ainda fotos de matadouros, onde crianças pequenas são expostas ao trabalho de abate e desossa de bovinos. Para a psicóloga Amarilis Castro, numa reportagem gravada e apresentada no seminário, o trabalho em matadouros é muito prejudicial às crianças, especialmente pelos efeitos psicológicos, porque "quem vê a morte com banalidade, também vê a vida com banalidade".
A auditora falou ainda das doenças que normalmente acometem crianças e adolescentes que são obrigados a trabalhar. Dentre elas, estão alteração de humor, dermatoses, anorexia, dores de cabeça e desnutrição, sem contar os acidentes e a evasão escolar. A palestrante abordou também os motivos que tornam esses pequenos trabalhadores vítimas dos acidentes. Segundo ela, eles são mais vulneráveis, pela imaturidade da coordenação motora e pela falta de controle da impulsividade e da concentração, além de terem um organismo em fase de crescimento e amadurecimento psicológico.
A segunda palestrante do painel, Verônica Rosa, falou dos avanços alcançados, particularmente em Campinas, pelo Movimento Vida Melhor, que se caracteriza por ser um trabalho intersetorial e interinstitucional que, por intermédio de ações de abordagem social, busca a reinserção de crianças e adolescentes em suas famílias e na escola. A palestrante falou de um programa desenvolvido para adolescentes de 14 a 17 anos, desenvolvido em parceria com uma escola de artes de Campinas e que oferece cursos profissionalizantes com bolsa mensal de R$ 300, além de vale-transporte e vale-refeição. A primeira turma, de 25 alunos, se forma em dezembro deste ano, no curso "gestão em logística".
A palestrante citou, como outro exemplo bem-sucedido do Movimento Vida Melhor, o desmonte do esquema de trabalho de limpeza de lápides nos cemitérios de Campinas. Segundo Verônica, a conversa começou com os administradores dos cemitérios, que apoiaram o trabalho do Movimento e não só desmontaram o esquema de "contratação" de crianças e adolescentes para a limpeza de túmulos e lápides, como também organizaram uma binquedoteca móvel no local, especialmente nos dias de maior fluxo (Dia das Mães e Finados). Segundo a palestrante, crianças e adolescentes "vendiam" o serviço aos frequentadores dos cemitérios e usavam objetos perigosos, como facas, para a limpeza de placas de metal, e não raro se machucavam.
Carta de São José do Rio Preto
No encerramento do seminário, o desembargador João Batista Martins César e o juiz Tarcio José Vidotti, titular da 4ª VT de Ribeirão Preto e gestor regional na 1ª instância do Programa de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho, compuseram a mesa de encerramento, quando foi lida e aprovada, por aclamação, a Carta de São José do Rio Preto.
Segue abaixo, na íntegra, o texto da Carta:
"Carta de São José do Rio Preto-SP sobre a Necessidade de Abolição do Trabalho Infantil
Os participantes do Seminário "Combate ao Trabalho Infantil e Políticas Públicas – Boas Práticas", promovido pela Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com o apoio dos Tribunais Regionais do Trabalho da 15ª e 2ª Regiões, Ministério Público do Trabalho da 15ª e 2ª Regiões, Advocacia-Geral da União e Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho – Trabalho Seguro, reunidos em 14 de Novembro de 2014, na cidade de São José do Rio Preto-SP, manifestam a sua convicção de que abolir o trabalho infantil e assegurar educação básica dos quatro aos dezessete anos, gratuita, de qualidade, atrativa, em tempo integral e que propicie o desenvolvimento completo de crianças e adolescentes, inclusive qualificação profissional adequada para os últimos, é dever do Estado, compartilhado com a família, a sociedade e a comunidade, como parte da proteção integral e absolutamente prioritária que deve ser devotada a esses seres em peculiar condição de desenvolvimento, sendo certo também que:
1) É inadmissível, em pleno Século XXI, que o trabalho precoce continue destruindo a infância e fulminando qualquer perspectiva de futuro de crianças e adolescentes, sendo imperativo de dignificação e preservação de direitos humanos fundamentais que o Brasil cumpra o compromisso interno e internacional de erradicar as piores formas dessa chaga social até 2016 e todas as formas até 2020.
2) A responsabilidade social das empresas urbanas e rurais não se limita a não se valer, diretamente, do trabalho de crianças e adolescentes em idade inferior à mínima legalmente permitida, mas implica não admitir, também, a exploração de trabalho infantil em quaisquer etapas de sua cadeia produtiva, sob pena de ser responsabilizada pelos danos causados, tanto individuais como difusos.
3) Nos termos do artigo 114, I, da Constituição da República, à Justiça do Trabalho compete analisar todas as questões envolvendo trabalho humano, com ou sem vínculo empregatício, incluídos pedidos de permissão, na área artística ou qualquer outra, formulados por crianças e adolescentes. Esse ramo especializado do Judiciário assumiu posição institucional proativa e ostensiva na luta pela erradicação do trabalho precoce com o "Programa de Combate ao Trabalho Infantil" da Justiça do Trabalho, lançado no final de 2013 e que hoje envolve todos os 24 Tribunais Regionais do Trabalho do País.
4) A par da histórica atuação do Juízo e Promotoria da Infância e da Juventude, para a interlocução do sistema de justiça trabalhista com os diversos segmentos voltados à proteção de crianças e adolescentes, é necessária a criação de Fóruns Municipais de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, a fim de assegurar ações articuladas, estruturadas e em rede, das quais devem efetivamente participar Juízes do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego, Defensoria Pública, sindicatos, associações, advogados e todos aqueles que, de alguma forma, atuem na área, para viabilizar alternativas de inclusão e assegurar o direito ao não trabalho de crianças e adolescentes.
5) A aprendizagem, respeitados todos os requisitos legais, é a forma adequada de preparação do adolescente para o ingresso no mercado de trabalho, cada vez mais competitivo.
6) Em se tratando de políticas públicas envolvendo o direito fundamental de não trabalhar antes da idade permitida, que integra o mínimo existencial de todo ser humano, é dever do gestor público implementá-las, a ele não sendo dado invocar a cláusula da reserva do possível, diante da absoluta, prioritária e integral proteção da qual são destinatários crianças e adolescentes. A inobservância ou incúria no cumprimento desse dever constitucional, permitem o ajuizamento de ações civis públicas para que a Justiça do Trabalho obrigue o agente estatal a respeitar a Constituição e as Leis do País.
7) Para a efetiva reconstituição dos bens jurídico-trabalhistas lesados, é salutar que as importâncias oriundas de multas diárias ou indenização por dano moral coletivo ou difuso, revertam às localidades onde os danos foram produzidos. Não havendo fundo específico para tanto, afigura-se razoável que tais valores sejam destinados ao FUNDO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, condicionada a liberação à prévia apresentação de projetos voltados a combater o trabalho infantil, educar e profissionalizar adolescentes, a serem aprovados pelo Ministério Público do Trabalho, que emitirá parecer para subsidiar a chancela pelo Poder Judiciário Trabalhista.
8) O trabalho infantil mutila e ceifa sonhos e vidas de crianças e adolescentes. Por não ter ainda desenvolvimento completo e consciência de riscos, estatísticas demonstram que trabalhadores precoces tem propensão muito maior a acidentar-se durante o trabalho, sendo esta uma das muitas razões pelas quais a luta pela erradicação não pode ter trégua.
9) A idade mínima para o trabalho não deve ser fixa, mas elevar-se progressivamente, acompanhando a evolução histórica, educacional, tecnológica, cultural, socioeconômica, a expectativa de vida, a estrutura familiar, bem como mudanças demográficas e previdenciárias, dentre outras, para que não se transforme em equação perversa que privilegie apenas os mais afortunados.
São José do Rio Preto, 14 de Novembro de 2014."

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