segunda-feira, 11 de julho de 2011

Empregado doméstico. Horas extraordinárias. Deferimento

PROCESSO TRT/SP Nº 01403200905802009
RECURSO ORDINÁRIO
RECORRENTE: CONSUELO BILBAO HASANKIN
RECORRIDO: ELIZAMA DA SILVA XAVIER
ORIGEM: 58ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO
MERITÍSSIMO(A) JUIZ(A) SENTENCIANTE: VIRGINIA MARIA DE OLIVEIRA BARTHOLOMEI




Ementa: Empregado doméstico. Horas extraordinárias. Deferimento. A Constituição da República Federativa do Brasil tem como fundamento básico o princípio da dignidade humana. A negativa de limitação de jornada ao trabalhador doméstico e de pagamento adicional por horas extraordinariamente laboradas é retrocesso social, vez que o parágrafo único do artigo sétimo do Texto Maior não pode ser interpretado como forma de marginalização do empregado doméstico, mas sim como garantidor de direitos mínimos. A ausência de lei especial que regulamente jornada e remuneração adicional pelo trabalho extraordinário do trabalhador doméstico impõe ao julgador o dever de aplicar norma geral ao trabalhador diferenciado, de forma analógica, nos termos do artigo oitavo da CLT, a fim de cumprir com seu dever de distribuir justiça.






Contra a sentença de f. 102/108, da lavra do(a) Excelentíssimo(a) Juiz(a) VIRGINIA MARIA DE OLIVEIRA BARTHOLOMEI, que julgou procedente em parte o pedido inicial, recorre(m) ordinariamente o réu, pleiteando a reforma da decisão, com atendimento às suas postulações.

Custas recolhidas (f. 123), assim como depósito recursal (f. 124).

Por intempestivamente apresentada, a contrariedade da autora foi juntada por linha.

Não há pronunciamento do Ministério Público do Trabalho, conforme estabelecido na Portaria n. 3, de 27 de janeiro de 2005, da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região e do artigo 20 da Consolidação das Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho.

É o relatório.

VOTO

Conheço o recurso, presentes os pressupostos legais exigíveis de admissibilidade.

Insurge-se, a recorrente, contra a sentença de primeira instância que deferiu à reclamante o pagamento de décimo terceiro salário de 2006 e horas extraordinárias.
Alega, em síntese, julgamento extra-petita, falta de amparo legal quanto às horas extraordinárias deferidas e que a reclamante não preenche os requisitos da lei 5.584/70 para deferimento dos honorários advocatícios postulados.
Julgamento extra-petita.
Assiste razão à recorrente.
Não há no rol dos pedidos da reclamante requerimento de pagamento do décimo terceiro salário referente ao ano de 2006, razão pela qual, mesmo sem comprovação de seu pagamento, impossível o deferimento de pedido inexistente.
Reformo, para excluir da condenação a verba supracitada.
Jornada de trabalho e horas extraordinárias.
Agindo com sensibilidade e razoabilidade, o Juízo a quo fixou como jornada da reclamante o trabalhado em regime 12X36, das 19h às 7h, vez que tanto a jornada alegada pela autora quanto a descrita pela ré se demonstraram inverossímeis.
As testemunhas ouvidas – f. 39/40 – não serviram para confirmar nenhuma das jornadas apresentadas, nem da autora, nem da ré, porém, ajudaram a magistrada a extrair a realidade do contrato de trabalho da reclamante – que cuidava de pessoa idosa que, não podendo ficar sozinha, necessitava de cuidados 24 horas por dia.
A segunda testemunha da autora – Sra. Maura Virgilina dos Santos (f. 39) – afirmou que cobriu férias de uma das cuidadoras da idosa a quem a reclamante atendia, laborando das 7h às 19h, jornada compatível com a da reclamante acolhida pelo Juízo a quo, que renderia a funcionária do turno anterior.
Nenhuma explicação lógica da jornada apresentada pela ré foi demonstrada, de apenas 10 horas diárias de labor dia sim, dia não, pois para cuidados ininterruptos da idosa, seria necessária escala de funcionários trabalhando cada dia em um horário diferente, dificultando a organização do trabalho.
Mantenho, pois, a jornada fixada pela sentença da origem, por verossímil e razoável.
Quanto às horas extraordinárias, esposo da mesma conclusão da julgadora da origem.
O parágrafo único do artigo sétimo da CRFB de 1988 não assegura ao trabalhador doméstico a limitação de jornada do inciso XIII, nem a remuneração adicional em caso de labor extraordinário do inciso XVI do mesmo artigo constitucional, porém não faz expressa referência à ausência de limitação de jornada de tal classe de trabalhadores ou de proibição de recebimento de adicional de hora extra.
Nem o poderia.
A dignidade da pessoa humana é fundamento de nossa Constituição, que deve ser interpretada de forma teleológica. O propósito da especificação constitucional de garantia de alguns direitos ao empregado doméstico vem das particularidades de tal atividade. Garante o mínimo, sem prejuízo de lei própria que regularize a particular profissão.
Ocorre que, até o momento, nenhuma lei especial cuidou de regulamentar a jornada do empregado doméstico, o que não pode deixá-lo à margem da lei, da proteção constitucional à dignidade humana.
Reconhecer que a Constituição Federal da República do Brasil marginalizou os empregados domésticos, deixando nas mãos do empregador, parte hipersuficiente da relação jurídica, o poder de exigir do trabalhador quantas horas de trabalho diário entender necessárias, é admitir que a permanência legal do regime de escravidão, flagelando parte dos trabalhadores. É negar seus fundamentos na dignidade da pessoa humana, no valor social do trabalho, previstos em seu primeiro artigo e seus objetivos de construção de uma sociedade igualitária sem discriminação.
No caso em tela, o Judiciário – instrumento de distribuição de justiça – não pode se mostrar inerte e decidir pela marginalização de toda uma classe de trabalhadores em face de lacuna legal. Não. Deve cumprir sua função, suprindo a inércia legislativa a fim de preservar os princípios nos quais se fundamenta a Carta Maior.
Agiu em exemplar cumprimento de seu dever legal, o Juízo de primeira instância, em não se calar diante da injustiça da omissão legal que se demonstra, em combate ao retrocesso social, aplicando, por analogia, conforme artigo oitavo da norma consolidada, os limites constitucionais de jornada e aplicar o adicional mínimo sobre as horas que a excedem.
Mantenho, pois, a sentença atacada.
Honorários de advogado.
A existência de jus postulandi da parte no processo do trabalho, regulada pelo artigo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho, vem funcionando como argumento para a negativa de concessão dos honorários sucumbenciais nesta seara, em prejuízo franco ao destinatário dos créditos trabalhistas, que nunca recebe, mesmo na hipótese de procedência total do feito, seu crédito integral, já que o partilha com o advogado, nas hipóteses em que não se utiliza da referida prerrogativa legal.
Inadequada tal orientação, no entanto, porque a análise da prática confirma que número irrisório de feitos vem apresentado à Justiça do Trabalho sem o concurso de advogados, o que, diga-se logo, muito favorece ao trabalhador, na medida em que o direito é complexo, tornando indispensável o auxílio técnico, para melhor defesa dos interesses em litígio. Paradoxal, ainda, torna-se após a Emenda Constitucional 45, pela perspectiva da resolução 27 do Tribunal Superior do Trabalho, na medida em que, aplicados os critérios ali descritos, a empresa que impugnar, por exemplo, dívida da União decorrente de autuação da fiscalização do trabalho será, caso vitoriosa, aquinhoada com os honorários de advogado, enquanto o empregado, hipossuficiente, na mesma situação, não receberá a indenização pelos gastos com o técnico que o assistiu. Neste sentido, já se manifestou o Regional de Campias-SP:
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – NECESSIDADE DO REEXAME DA MATÉRIA EM DECORRÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL – Fere os princípios elementares de direito concluir que o empregador que descumpre obrigações civis esteja obrigado a responder por "perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado" (art. 389 do novo código civil), mas desobrigado de pagar os honorários sobre as dívidas trabalhistas de natureza alimentar. Aliás, com a ampliação da competência da justiça do trabalho, a situação ficou, com a devida vênia, incoerente: caso um abonado representante comercial autônomo saia vencedor na justiça do trabalho, receberá honorários advocatícios; todavia, se um hipossuficiente empregado vencer a reclamação trabalhista, nada receberá a tal título. O judiciário trabalhista não pode sacramentar tal tratamento flagrantemente desigual, especialmente se levarmos em conta que o trabalho é um direito social. Impõe-se, assim, com a máxima vênia, o reexame do enunciados nº 219 e 329 do C. TST. (TRT 15ª R. – RO 00948-2002-049-15-00-0 – (31637/2005) – Rel. Juiz Samuel Hugo Lima – DOESP 08.07.2005)
À vista do que dispõe o artigo 404 do Código Civil, para reparação integral do dano sofrido pelo autor e reconhecido no julgado, é impositivo que a indenização inclua, além de juros de mora, correção monetária, também honorários advocatícios. O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, em algumas de suas decisões, vem reconhecendo a procedência destes argumentos, de que é exemplo a seguinte:
(...) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUSTIÇA DO TRABALHO. CABIMENTO. Os Princípios do Acesso à Justiça, da ampla defesa e do contraditório (artigo 5o, incisos XXXV e LV da Constituição Federal) pressupõem a defesa técnica do trabalhador, por profissional qualificado, não sendo possível restringir o direito do mesmo em optar pela nomeação de advogado particular, nos termos do art. 133 da Carta Magna. Em que pese a inaplicabilidade do princípio da sucumbência e a possibilidade do "jus postulandi" no Processo do Trabalho, a condenação em honorários advocatícios tem amparo no princípio da restituição integral, expresso nos artigos 389, 404 e 944 do Código Civil. Além disso, a Lei 10.288/2001 revogou o art. 14 da Lei 5584/70, não havendo óbice legal para a condenação em honorários advocatícios, nos casos em que o reclamante não estiver assistido pelo sindicato, nos termos da Lei 10.537/2002, que acrescentou o parágrafo 3º ao art. 790 da CLT. (TRT/SP - 01311200800402006 - AIRO - Ac. 4ªT 20100084936 - Rel. IVANI CONTINI BRAMANTE - DOE 26/02/2010)
Não se argumente que tal medida encontra óbice no artigo 791 da C.L.T., porquanto esta norma tem natureza processual, enquanto o fundamento que ora evoco tem caráter de direito material. Nesta estrada, não mais colhe eficácia, data venia, o ultrapassado entendimento sumulado pelo Tribunal Superior do Trabalho em matéria de honorária neste ramo do Judiciário (súmulas 219 e 329).
Não importa, pois, a faculdade do jus postulandi, e tampouco a sucumbência processual funciona como elemento condicionante da atribuição da indenização suso referida.
Alerto, por fim, que o crédito destina-se ao reclamante, não ao patrono, não se aplicando a disposição da Lei 8906/94 (artigo 23), que permite sua execução autônoma. Constitui-se parcela do crédito do autor, na reparação do dano original e a ele será liberada, oportunamente.
Com espeque nos argumentos evocados, mantenho o deferimento de honorários de advogado, em favor da reclamante.
Pelo exposto,

ACORDAM os Magistrados da 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso ordinário do réu para excluir da condenação o deferimento à reclamante ao pagamento do décimo terceiro salário do ano de 2006, mantendo seus demais termos, bem como o valor arbitrado à condenação.


MARCOS NEVES FAVA
Relator


ABRAT - Sempre ao lado do Advogado Trabalhista! advferrari@terra.com.br

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