sexta-feira, 25 de junho de 2010

BREVES COMENTÁRIOS À 2ª PROVA ESCRITA DE CAMPINAS – MAIO DE 2010

BREVES COMENTÁRIOS À 2ª PROVA ESCRITA DE CAMPINAS – MAIO DE 2010

Mauro Schiavi


Comentários Gerais:


A pedido do amigo Lacier, ouso elaborar alguns comentários sobre a prova da 2ª fase de Campinas, sem grandes pretensões, tão somente para orientar nossos alunos, e estimulá-los a elaborar a redação das respostas.
Os comentários aqui realizados refletem apenas a opinião do subscritor, não sendo necessariamente o pensamento de qualquer um dos membros da Banca Examinadora.
A prova de Campinas, como já é tradição, foi muito bem elaborada, abordando temas atuais, polêmicos e com grande aplicação no cotidiano da Justiça do Trabalho.
A banca, necessariamente, merece grandes elogios, pois procurou investigar o conhecimento do candidato, bem como a capacidade de resolver questões do dia a dia, mas também preocupada com a formação humanística e social do candidato.

QUESTÃO N. 01


Emenda Constitucional n. 20/98 acrescentou o § 3o ao art. 114 da CF atribuindo competência à Justiça do Trabalho para executar, de ofício, as contribuições previdenciárias das sentenças que proferir.
Na ocasião, alguns se mostraram pessimistas com o aumento da competência da Justiça do Trabalho para abranger a execução de parcelas que não pertencem ao empregado, e sim ao INSS. Outros se mostraram otimistas, uma vez que a execução de ofício das contribuições previdenciárias propicia grande arrecadação de contribuições sociais para a Previdência e maior eficiência da jurisdição trabalhista.
Dispõe o art. 114, VIII, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC n. 45/04 competir à Justiça do Trabalho a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a” e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
Em que pesem as críticas sobre a constitucionalidade do inciso VIII do art. 114 da CF e também à Lei n. 1.035/2000 (que regulamenta a execução previdenciária na Justiça do Trabalho), a nosso ver a execução de ofício das contribuições de INSS está em compasso com o caráter social da Justiça do Trabalho e melhoria da condição social do trabalhador.
Ainda que a autarquia federal não tenha participado do processo na fase de conhecimento, não há irregularidade e também não haveria interesse em tal participação, pois é na sentença que o juiz do trabalho deferirá as parcelas postuladas e haverá a incidência do INSS sobre as parcelas que deferiu.
Com a competência para executar as contribuições sociais de ofício, há o fortalecimento da Justiça do Trabalho enquanto instituição encarregada não só de resguardar o cumprimento dos direitos sociais, mas também em garantir o futuro do trabalhador, e de contribuir para a arrecadação de contribuições sociais que servem para a melhoria da sociedade como um todo.
Além disso, os resultados da competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições previdenciárias das sentenças que profere têm sido excelentes, com um pequeno gasto para a União.
No nosso sentir, a interpretação do inciso VIII, do art. 114, da CF não pode ser restritiva, devendo abranger também os recolhimentos pretéritos que não foram realizados pelo empregador, atinentes às parcelas de índole salarial, conforme o art. 28, da Lei n. 8.212/91. Se a justiça do trabalho declara o vínculo de emprego deve executar as contribuições pretéritas desse reconhecimento, pois isso possibilita não só maior efetividade da jurisdição, como também da eficácia social da norma. De outro lado, propiciará que o empregado obtenha futuramente a aposentadoria sem maiores transtornos, pois são notórias as vicissitudes que enfrenta o trabalhador quando vai averbar o tempo de serviço reconhecido em sentença trabalhista, mas os recolhimentos previdenciários não estão realizados.
Em sentido contrário a Súmula n. 368 do C. TST, in verbis:
“Súmula n. 368 – TST – Res. 129/2005 – DJ 20.4.2005 - Conversão das Orientações Jurisprudenciais ns. 32, 141 e 228 da SDI-1 I. A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores objeto de acordo homologado que integrem o salário-de-contribuição. (ex-OJ n. 141 — Inserida em 27.11.1998); II. É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais, resultante de crédito do empregado oriundo de condenação judicial, devendo incidir, em relação aos descontos fiscais, sobre o valor total da condenação, referente às parcelas tributáveis, calculado ao final, nos termos da Lei n. 8.541/1992, art. 46 e Provimento da CGJT n. 01/1996. (ex-OJ n. 32 — Inserida em 14.3.1994 e OJ n. 228 — Inserida em 20.6.2001); III. Em se tratando de descontos previdenciários, o critério de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, § 4o, do Decreto n. 3.048/99 que regulamentou a Lei n. 8.212/91 e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição” (ex-OJ n. 32 — Inserida em 14.3.1994 e OJ n. 228 — Inserida em 20.6.2001).
A questão restou resolvida pelo parágrafo único do art. 876 da CLT, com a redação dada pela Lei n. 11.457, de 15 de março de 2007, que assim dispõe: “Serão executadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido”.
Portanto, doravante, a Justiça do Trabalho também poderá executar as parcelas previdenciária das decisões meramente declaratórias de vínculo de emprego.
No mesmo sentido é o Enunciado n. 73, da 1a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho:
“EXECUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. REVISÃO DA SÚMULA 368 DO TST. I – Com a edição da Lei n. 11.457/2007, que alterou o parágrafo único do art. 876 da CLT, impõe-se a revisão da Súmula n. 368 do TST: é competente a Justiça do Trabalho para a execução das contribuições à Seguridade Social devidas durante a relação de trabalho, mesmo não havendo condenação em créditos trabalhistas, obedecida a decadência. II – Na hipótese, apurar-se-á o montante devido à época do período contratual, mês a mês, executando-se o tomador dos serviços, por força do art. 33, § 5o, da Lei n. 8.212/91, caracterizada a sonegação de contribuições previdenciárias, não devendo recair a cobrança de tais contribuições na pessoa do trabalhador. III – Incidem, sobre as contribuições devidas, os juros e a multa moratória previstos nos arts. 34 e 35 da Lei n. 8.212/91, a partir da data em que as contribuições seriam devidas e não foram pagas.”
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, fixou entendimento contrário, entendendo que a competência da Justiça do Trabalho abrange somente a parcela previdenciária das decisões condenatórias, não incidindo sobre os salários pagos durante o vínculo de emprego, conforme se constata de seu informativo 519/09, “in verbis”
“Justiça do Trabalho: Execução de Ofício de Contribuições Previdenciárias e Alcance.
A competência da Justiça do Trabalho, nos termos do disposto no art. 114, VIII, da CF, limita-se à execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores objeto de acordo homologado que integrem o salário de contribuição, não abrangendo, portanto, a execução de contribuições atinentes ao vínculo de trabalho reconhecido na decisão, mas sem condenação ou acordo quanto ao pagamento das verbas salariais que lhe possam servir como base de cálculo ("Art. 114. ... VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;"). Com base nesse entendimento, o Tribunal desproveu recurso extraordinário interposto pelo INSS em que sustentava a competência da Justiça especializada para executar, de ofício, as contribuições previdenciárias devidas, incidentes sobre todo o período de contrato de trabalho, quando houvesse o reconhecimento de serviços prestados, com ou sem vínculo trabalhista, e não apenas quando houvesse o efetivo pagamento de remunerações. Salientou-se que a decisão trabalhista que não dispõe sobre pagamento de salário, mas apenas se restringe a reconhecer a existência do vínculo empregatício não constitui título executivo no que se refere ao crédito de contribuições previdenciárias. Assim, considerou-se não ser possível admitir uma execução sem título executivo. Asseverou-se que, em relação à contribuição social referente ao salário cujo pagamento foi determinado em decisão trabalhista é fácil identificar o crédito exeqüendo e, por conseguinte, admitir a substituição das etapas tradicionais de sua constituição por ato típico, próprio, do magistrado. Ou seja, o lançamento, a notificação, a apuração são todos englobados pela intimação do devedor para o seu pagamento, porque a base de cálculo para essa contribuição é o valor mesmo do salário que foi objeto da condenação. Já a contribuição social referente ao salário cujo pagamento não foi objeto da sentença condenatória, e, portanto, não está no título exeqüendo, ou não foi objeto de algum acordo, dependeria, para ser executada, da constituição do crédito pelo magistrado sem que este tivesse determinado o pagamento do salário, que é exatamente a causa e a base da sua justificação. O Min. Ricardo Lewandowski, em acréscimo aos fundamentos do relator, aduziu que a execução de ofício de contribuição social antes da constituição do crédito, apenas com base em sentença trabalhista que reconhece o vínculo empregatício sem fixar quaisquer valores, viola também o direito ao contraditório e à ampla defesa. Em seguida, o Tribunal, por maioria, aprovou proposta do Min. Menezes Direito, relator, para edição de súmula vinculante sobre o tema, e cujo teor será deliberado nas próximas sessões. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que se manifestava no sentido da necessidade de encaminhamento da proposta à Comissão de Jurisprudência. RE 569056/PR, rel. Min. Menezes Direito, 11.9.2008. (RE-569056)”.
Conforme já nos pronunciamos acima, em que pese o alto respeito que merece, não concordamos com o posicionamento do Colendo STF, pois o artigo 114, VIII, da CF, não restringe a competência às decisões de natureza condenatória.
Os títulos judiciais que embasam a execução de ofício das contribuições previdenciárias, e, portanto, fatos geradores do recolhimento previdenciários, na Justiça do Trabalho, são:
a) termos de conciliação homologados na Justiça do Trabalho (art. 831 da CLT) contendo parcelas objeto de incidência de INSS: O INSS poderá recorrer das decisões homologatórias de acordo quanto à natureza das parcelas do acordo fixadas pelas partes.
Conforme o art. 832, § 4o, da CLT, com a redação dada pela Lei n. 11.457/07, a União será intimada das decisões homologatórias de acordos que contenham parcela indenizatória, na forma do art. 20 da Lei n. 11.033, de 21 de dezembro de 2004, facultada a interposição de recurso relativo aos tributos que lhe forem devidos.
Nos termos do § 7o, do art. 832 da CLT, com a redação dada pela Lei n. 11.457/07, o Ministro de Estado da Fazenda poderá, mediante ato fundamentado, dispensar a manifestação da União nas decisões homologatórias de acordos em que o montante da parcela indenizatória envolvida ocasionar perda de escala decorrente da atuação do órgão jurídico.
Conforme o § 3o do art. 832 da CLT, as decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária se for o caso.
Desse modo, havendo conciliação, as partes devem discriminar a natureza das parcelas objeto da avença. Se não houver discriminação, o INSS incidirá sobre o valor total do acordo.
Deve ser destacado que as partes poderão mencionar, no acordo, verbas que não foram postuladas, pois a conciliação pode abranger verbas não postas em juízo. Além disso, a conciliação, como regra, abrange todos os direitos decorrentes do extinto contrato de trabalho.
Não obstante, a Justiça do Trabalho não tem aceitado discriminação muito divorciada do pedido, cuja intenção é nitidamente evitar a incidência previdenciária, tal como discriminação do valor integral do acordo como sendo reparação por danos morais ou indenização civil nos termos do art. 186 do Código Civil.
Havendo acordo, na execução, após o trânsito em julgado da decisão, as partes não poderão alterar na natureza jurídica das parcelas, pois a parcela previdenciária que incide sobre tais verbas não pertence às partes do processo, não estando mais sobre a livre disposição destas por meio da transação.
Nesse sentido, o § 6o do art. 832 da CLT, com a redação dada pela Lei n. 11.457/07, pacificou a questão. Dispõe o referido dispositivo, in verbis: “O acordo celebrado após o trânsito em julgado da sentença ou após a elaboração dos cálculos de liquidação de sentença não prejudicará os créditos da União;”
b) Acordo celebrado perante da comissão de conciliação prévia: Embora não conste expressamente da Lei (art. 876 da CLT), pensamos ter a Justiça do Trabalho competência para executar a contribuição Previdenciária sobre os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia. Ora, se a Justiça do Trabalho pode executar o próprio crédito trabalhista, não há por que não se deferir tal competência para a parcela objeto de incidência previdenciária. A contribuição previdenciária incidirá sobre as parcelas pagas perante a Comissão de Conciliação prévia que tenham natureza salarial.
c) sentença trabalhista transitada em julgado, contendo parcelas objeto de incidência de INSS: Nos termos do § 3o do art. 832 da CLT as decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária se for o caso.
A contribuição previdenciária incide sobre as parcelas de natureza salarial.
Salário é a contraprestação devida ao empregado paga diretamente pelo empregador em razão da prestação de serviços. Nos termos do art. 457 da CLT: “compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”.
As verbas objeto de incidência da contribuição previdenciária são previstas no art. 28 da Lei n. 8.212/91 (salário-contribuição), não se aplicando o conceito de salário previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, uma vez que o crédito pertence à Autarquia Previdenciária, aplicando-se o princípio da especialidade.
O salário de contribuição é a base de cálculo expressa em moeda corrente, sobre a qual incidirá a alíquota da contribuição social para a seguridade social, e servirá de parâmetro para cálculo do valor dos benefícios previdenciários, servindo, ainda, como limite mínimo e máximo das contribuições e dos benefícios.
O conceito legal de salário de contribuição está no art. 28 da Lei n. 8.212/91, que assim dispõe: “Art. 28 – Entende-se por salário-de-contribuição: I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; II – para o empregado doméstico: a remuneração registrada na Carteira de Trabalho e Previdência Social, observadas as normas a serem estabelecidas em regulamento para comprovação do vínculo empregatício e do valor da remuneração; III – para o contribuite individual: a remuneração auferida em uma ou mais empresas ou pelo exercício de sua atividade por conta própria, durante o mês, observado o limite máximo a que se refere o § 5o; IV – para o segurado facultativo: o valor por ele declarado, observado o limite máximo a que se refere o § 5o. § 10 – Considera-se salário-de-contribuição, para o segurado empregado e trabalhador avulso, na condição prevista no § 5o do art. 12, a remuneração efetivamente auferida na entidade sindical ou empresa de origem.”
Caso a sentença não fixar as parcelas objeto de incidência previdenciária, bem como a responsabilidade das partes, o Juiz na execução poderá fazê-lo, pois se trata de matéria de ordem pública, não havendo preclusão. Nesse sentido dispõe o art. 401 do C. TST in verbis: “AÇÃO RESCISÓRIA. DESCONTOS LEGAIS. FASE DE EXECUÇÃO. SENTENÇA EXEQÜENDA OMISSA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA. (conversão da Orientação Jurisprudencial n. 81 da SDI-2) Os descontos previdenciários e fiscais devem ser efetuados pelo juízo executório, ainda que a sentença exeqüenda tenha sido omissa sobre a questão, dado o caráter de ordem pública ostentado pela norma que os disciplina. A ofensa à coisa julgada somente poderá ser caracterizada na hipótese de o título exeqüendo, expressamente, afastar a dedução dos valores a título de imposto de renda e de contribuição previdenciária. (ex-OJ n. 81 — inserida em 13.3.02)”.
Sempre foi polêmica a questão da competência para a execução em face da massa falida na Justiça do Trabalho.
Há os defensores da competência para a execução até os seus atos finais, argumentando o privilégio do crédito trabalhista e a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho em face do que dispõe o art. 114 da CF.
Não obstante as boas intenções dos que defendem que a execução em face da Massa Falida seja processada na Justiça do Trabalho, pensamos que esta não é melhor interpretação, pois todo o esforço do processo falimentar converge para o pagamento de todos os credores ou ao menos o pagamento de uma boa parte do crédito para cada um. Prosseguindo-se a execução na esfera do Judiciário Trabalhista tem-se a possibilidade de pagamento integral de boa parte dos processos que tramitam na Justiça do Trabalho, mas há o risco de ficar descoberto o crédito de inúmeros outros credores do falido, cujos processos tramitam no Juízo Falimentar.
Desse modo, pensamos que a norma deve ser interpretada com bom senso, razoabilidade e proporcionalidade. Pensamos ser mais razoável que o processo em face da massa falida tramite na Justiça do Trabalho até a fixação do crédito do reclamante em definitivo (julgamento final da liquidação). Após deverá ser expedida certidão para habilitação no juízo universal.
Nesse sentido dispõe o art. 6o, § 2o, da Lei n. 1.101/2005, in verbis: “A decretação da falência ou deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do dever inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. (...) § 2o – É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8o desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença”.
Pensamos diante da clareza do disposto no art. 6o, § 2o, da Lei n. 11.101/2005 não ser mais possível o prosseguimento da execução na Justiça do Trabalho, tampouco a declaração de desconsideração da personalidade jurídica da empresa na Justiça do Trabalho e penhora dos bens dos sócios da empresa falida, uma vez que a finalidade social da lei converge no sentido de que todos os credores das empresas em recuperação judicial ou em estado falimentar, efetivamente, recebam seus créditos e que a empresa recupere suas forças e volte a operar. Isso somente será possível mediante um esforço de todos os credores e de todos os juízes que detêm processos trabalhistas em face de empresas em recuperação judicial ou em estado falimentar.
Na falência, os créditos trabalhistas terão privilégio até o valor de 150 salários mínimos, conforme dispõe o art. 83, da Lei n. 11.101/05, in verbis: “A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: (...) I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 salários mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho”.
Deve o Juízo falimentar dar primazia ao recebimento do crédito trabalhista, que tem índole alimentar. O crédito previdenciário, embora tem índole tributária e decorra da sentença trabalhista não pode ser colocado à frente do crédito trabalhista.

QUESTÃO N. 02.

O princípio da irrenunciabilidade de direitos, próprio do caráter protetivo do Direito de Trabalho, impede que o empregado abra mão de um direito previsto no ordenamento jurídico trabalhista. É bem verdade que a renúncia de direitos tem sido vedada com maior rigidez antes e durante a vigência do contrato de emprego em razão do estado de hipossuficiência do trabalhador e também da subordinação inerente à relação de emprego. Após, cessado o vínculo de emprego, a renúncia tem sido avaliada com maior flexibilidade, máxime quando o empregado está diante de um órgão imparcial como a Delegacia Regional do Trabalho ou a Justiça do Trabalho.
Promoção, rememorando as lições de Orlando Gomes, é o ato pelo qual o empregado passa a ocupar função de maior responsabilidade, acompanhada de ascensão hierárquica e majoração salarial.
A promoção, por ser alteração qualitativa do contrato de trabalho (função), deve estar balizada pelos parâmetros do art. 468 da CLT, que assim preconiza:
Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respec¬tivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Segundo o citado dispositivo legal, são requisitos para a validade da promoção:
a) consentimento do trabalhador;
b) ausência de prejuízo para o empregado.
Desse modo, toda promoção deve contar com a anuência do empregado e não lhe acarretar prejuízos. Portanto, o empregado pode recusar a promoção quando não lhe for favorável (ex. majoração salarial pequena) ou quando não estiver preparado para o exercício da função que lhe foi oferecida, dentre outras hipóteses.
Nesse sentido, Orlando Gomes e Élson Gottschalk( ):
“Mesmo na promoção aparentemente vantajosa, o consentimento do empregado exerce influência, pois pode não lhe interessar e ser ad futurum prejudicial, como no caso em que se veja obrigado a desempenhar tarefas para as quais não está habilitado, porque não correspondem à sua qualificação originária. O rendimento inferior que viesse a produzir no novo cargo poderia ser causa para a despedida. O exercício de novas funções poderia exigir nova formação profissional à qual o empregado, por motivos óbvios, não esteja disposto”.
No mesmo sentido, as palavras de Valentin Carrion( ):
“Não vemos como possa negar-se ao trabalhador o direito de rejeitar a promoção que lhe for oferecida pela empresa, com novos encargos que sua personalidade ou fobias contradigam em seu íntimo, que não tem por que revelar”.
Alguns autores argumentam que a recusa à promoção deve ser motivada pelo empregado, pois, em tese, o empregador lhe oferece melhoria em seu status funcional. No nosso sentir, o empregado não é obrigado a motivar a recusa à promoção, pois não há obrigação legal impondo tal condição. Além disso, por ser alteração contratual, há a possibilidade de recusa sem justificativa (art. 468 da CLT). Pensamos só haver necessidade de motivação quando o empregado se obrigou contratualmente ou por meio de regulamento empresarial a aceitar as promoções que lhe forem oferecidas pelo empregador.
Como bem adverte Jorge Luiz Souto Maior: “uma vez aceita a promoção, por envolver, naturalmente, maiores responsabilidades, esta deve estar acompanhada de acréscimo salarial. Uma promoção sem acréscimo salarial ou a concessão de vantagem relevante não tem valor jurídico, possibilitando a utilização das regras contidas nos arts. 460 e 766, da CLT, para manter o equilíbrio na relação jurídica”.
Desse modo, a promoção não é direito potestativo do empregado, dependendo da anuência do empregado, não podendo este último ser punido por recusa à promoção.


QUESTÃO N. 03.

No Estado liberal, havia prevalência da autonomia da vontade e do caráter patrimonialista do direito. Existia grande dicotomia entre o Direito Público e Privado. No Direito público há relação de subordinação. No Direito Privado há relação de coordenação. Na Idade Média, a primazia da propriedade territorial sobre os demais institutos econômicos. Do direito de propriedade derivava o poder político e o prestígio social.
No final da idade média, há uma nova interpretação do direito privado com sua funcionalização. No século XVIII, diferenciação nítida: 1)direito privado é compreendido como o ramo do direito que disciplina a sociedade civil, as relações intersubjetivas e o mundo econômico (sob o signo da liberdade). As relações privadas são estruturadas a partir de uma concepção de propriedade absoluta e plena liberdade contratual, lugares estes que o Direito Público não poderia intervir; 2)Direito Público disciplina apenas o Estado, sua estrutura e funcionamento.
Com a Revolução Francesa: direito privado se torna também burguês. O individualismo é visto como valor a ser prestigiado, como reação do período estamental que caracterizou a era medieval. O estado medieval é pouco intervencionista.
Neste período somente o legislador poderia criar normas jurídicas, já que ungido pela escolha popular.
A proteção à propriedade e ao contrato eram o epicentro do direito privado.
Havia nítida separação do direito público e o direito privado. O direito público se ocupava da estrutura do Estado e dos direitos políticos, enquanto o Direito Privado se ocupava da tutela do patrimônio e do contrato. O Estado não poderia intervir na autonomia da vontade privada, a não sem para prestigiá-la.
Na época, houve as grandes codificações, marcadas pelo sistema romano-germânico de legislação escrita e rígida (v. Código de Napoleão e o Código Civil Brasileiro de 1916).
O juiz, praticamente, não podia interpretar a lei, somente podendo aplicá-la subsumindo os fatos ao prévio catálogo de lei. O juiz era apenas a “voz e a boca da lei”, na expressão de Montesquieu. Se tornou clássica a frase “in claris cessat interpretatio” do Código Civil Francês.
Aos juízes, reservar-se-ia o papel de bouche de La loi (boca da lei).
Na visão de Montesquieu os juízes eram seres inanimados que não podem moderar nem a sua (a Lei) força nem o seu rigor. O juiz nada criaria apenas aplicaria o direito (já previamente elaborado pelo legislador) ao caso concreto. O catálogo de todas as soluções possíveis já preexistiria ao caso litigioso. Ao juiz nada mais se pediria do que confrontar o fato com tal catálogo, até localizar a regra legal que resolveria o problema. Sua atividade mental seria apenas silogística .
Com a mudança do Estado Liberal para o Estado Social, houve mudança do paradigma jurídico, com a valorização do ser humano e despatrimonialização do direito privado.
O constitucionalismo social dos países ocidentais que sucede ao segundo pós-guerra, procura endereçar o Estado no sentido da promoção da igualdade substancial, mesmo que por vezes isso implique reduções ao espectro da liberdade econômica, embora sem sacrificá-la.
Neste período, houve limitação da vontade dos particulares e desenvolvimento dos princípios da solidariedade social, dignidade da pessoa humana, prevalência do homem sobre o patrimônio
O Estado Social consagra o chamado “constitucionalismo social”, que previsão de diversos direitos privados inseridos no corpo da Constituição Federal
Nesta ótica, há inegável valorização dos direitos humanos e reconhecimento, em vários ordenamentos constitucionais, de direitos fundamentais, próprio da condição humana e proteção da dignidade do ser humano.
A dignidade da pessoa humana passa a ser o eixo central do direito, com reflexos contundentes no direito privado.
Quanto ao significado da dignidade da pessoa humana, manifesta-se Ingo Wolfgang Sarlet :
“O problema do significado que se pode hoje atribuir à dignidade da pessoa humana, cumpre ressaltar de início, que a idéia do valor intrínseco da pessoa humana deita raízes já no pensamento clássico e no ideário cristão. Muito embora não nos pareça correto, inclusive por faltar dados seguros quanto a este aspecto, reivindicar — no contexto das diversas religiões professadas pelo ser humano ao longo dos tempos — para a religião cristã a exclusividade e originalidade quanto à elaboração de uma concepção de dignidade da pessoa, o fato é que tanto no Antigo quando no Novo Testamento podemos encontrar referências no sentido de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o cristianismo extraiu a conseqüência — lamentavelmente renegada por muito tempo por parte das instituições cristãs e seus integrantes (basta lembrar as crueldades praticadas pela ‘Santa Inquisição’) — de que o ser humano — e não apenas os cristãos — é dotado de um valor próprio e que lhe é intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto ou instrumento”.
Conforme o pensamento de Santo Tomás de Aquino em sua obra Summa Theologica, a dignidade da pessoa humana encontra fundamento na circunstância de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, mas também radica na capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana, de tal forma que o ser humano é livre por sua natureza, existe em função de sua própria vontade.
No âmbito do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, a concepção da dignidade da pessoa humana, assim como a idéia do direito natural em si, passou por um processo de racionalização e laicização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade. A dignidade da pessoa humana era considerada como a liberdade do ser humano de optar de acordo com a sua razão e agir conforme o seu entendimento e opção, bem como — de modo particularmente significativo — o de Emmanuel Kant, cuja concepção de dignidade parte da autonomia ética do ser humano, considerando esta (a autonomia) como fundamento da dignidade do homem, além de sustentar que o ser humano (o indivíduo) não pode ser tratado — nem por ele próprio — como objeto. É com Kant que, de certo modo, se completa o processo de secularização da dignidade, que, de vez por todas, abandonou suas vestes sacrais. Sustenta Kant que o Homem e, duma maneira geral, todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para uso arbitrário desta ou daquele vontade .
A dignidade da pessoa humana está prevista no art. 1º, III, da CF como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e constitui um legado incontestável das filosofias de Santo Tomás de Aquino e de Kant. O ser humano é um fim em si mesmo e, jamais, um meio para atingir determinado fim. O ser humano é um sujeito de direito e não objeto do direito. Além disso, a nosso ver, o ser humano é o fundamento e o fim último do Direito e de toda ciência humana. Por isso, em toda atividade criativa ou interpretativa do Direito, deve-se sempre adaptar o Direito ao ser humano e não o ser humano ao Direito.
A Constituição brasileira assegura, em vários artigos, a proteção do ser humano, seja fazendo referência ao princípio da dignidade da pessoa humana, seja protegendo a vida, a saúde, garantindo a igualdade, a liberdade, a segurança e as condições dignas de sobrevivência por meio da proteção à maternidade e à infância. Igualmente, estende-se a proteção ao ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida a ser assegurada às gerações presente e futura (o art. 1º, inciso III; o art. 5º, caput; o art. 203, inciso I e o art. 225 da Constituição Federal de 1988).
Para que haja efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, é necessário que sejam deferidos à pessoa todos os demais direitos fundamentais previstos na Constituição. É preciso que se assegure, como já é frase recorrente na doutrina, um piso mínimo de direitos.
Desse modo, somente haverá dignidade se a pessoa tiver assegurados os direitos fundamentais previstos nos arts. 1º, 3º e 5º, da CF, mas também os direitos sociais previstos no art. 6º, aí incluídos o direito ao trabalho, à saúde e ao lazer, e também o direito a um meio ambiente equilibrado, arts. 225 e seguintes da CF. Hoje, também têm sido muito valorizados os direitos sociais, como o direito ao lazer (art. 6º, da Constituição Federal) como sendo um direito fundamental para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, principalmente as que têm grande volume de trabalho.
A moderna doutrina fixou entendimento no sentido de que os direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata, em razão do princípio da força normativa da Constituição Federal, o que fora ratificado pela redação do art. 5º, § 1o, da CF, com a redação dada pela EC n. 45/04.
O art. 5º, § 1º, da CF determina que os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, independentemente de norma regulamentar. O referido dispositivo consagra as chamadas ações afirmativas para a defesa de direitos fundamentais, evitando que as normas atinentes a direitos fundamentais fiquem em sede programática.
Também o § 3º, do art. 5º, da CLT aduz que os tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil adquirem status de emenda constitucional.
A dignidade é inerente ao ser humano, sendo um valor intrínseco da própria condição humana. Todo ser humano tem dignidade pelo fato de ser pessoa. Por isso, é complexa a definição do conceito de dignidade. Embora a Constituição Federal mencione no art. 1º, III que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e freqüentemente a doutrina se refira ao princípio da dignidade da pessoa humana, na verdade, a dignidade é mais que um fundamento e também tem dimensão mais reluzente que um princípio, pois é inata à própria condição humana, de que o homem, conforme Santo Tomás de Aquino, fora criado à semelhança de Deus. Além disso, o ser humano é o fundamento e também o fim último do Direito.
Como destacado, é difícil se definir a dignidade, mas facilmente identificamos hipóteses de indignidades, que nos provocam um sentimento de injustiça e até mesmo de fúria. Desse modo, nos referimos à proteção à dignidade da pessoa humana na esfera jurídica e não ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Diante do exposto, no nosso sentir a proteção da dignidade da pessoa humana envolve todos os aspectos da pessoa, seja no seu aspecto exterior — papéis que representa na sociedade e, como função profissional, imagem, etc. — como na sua individualidade, privacidade, intimidade (art. 5º, V e X, da CF), assim, como o fato de pertencer ao gênero humano, seu aspecto físico, sua etnia, bem como a proteção do meio ambiente.
A constitucionalização do direito privado decorre da migração, para o âmbito privado, de valores constitucionais dentre os quais, a dignidade da pessoa humana e despatrimonialização do direito civil. O ser humano é colocado no centro do Direito Civil.
Com o Estado Social, a própria Constituição Federal passa a dedicar capítulos ao direito privado e também estabelecer princípios e diretrizes básicas para as relações privadas.
Ao contrário do Código de Napoleão que dedica mais de 80% de seus artigos à propriedade, o Código Civil Brasileiro de 2002, além de disciplinar a propriedade e o contrato, volta os olhos para o ser humano, dedicando, inclusive um capítulo aos direitos da personalidade.
De outro lado, o direito civil não pode mais ser analisado a partir de si mesmo, mas em conjunto com os princípios constitucionais. Por isso, a moderna doutrina tem defendido a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que é a incidência dos direitos fundamentais, previstos no Ordenamento Constitucional, às relações privadas, a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Para alguns autores, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas não é direta, e sim indireta, pois vigora no direito privado o princípio da autonomia da vontade, aplicando-se, entretanto, os direitos fundamentais para garantia da dignidade da pessoa humana.
Outros asseveram que a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas é direta, uma vez que a Constituição Federal tem prevalência sobre o direito privado.
Como bem adverte Daniel Sarmento :
“(...)Nada há no texto constitucional brasileiro que surgira a idéia de vinculação direta aos direitos fundamentais apenas dos poderes públicos. Afora, é certo, alguns direitos que têm como destinatário necessários o Estado (direitos do preso, por exemplo), na maioria dos outros casos o constituinte não estabeleceu de antemão nenhuma limitação no pólo passivo das liberdades pública, que afastasse os particulares. Muito pelo contrário, a linguagem adotada pelo constituinte na estatuição da maioria das liberdades fundamentais prevista no art. 5º do texto mago, transmite a idéia de uma vinculação passiva universal. Ademais, existe um dado fático relevantíssimo, que não pode ser menosprezado: a sociedade brasileira é muito mais injusta e assimetria do que a da Alemanha, dos Estados Unidos, ou de qualquer outro país do Primeiro Mundo. Segundo estatísticas oficiais, que muito consideram excessivamente otimistas, o Brasil tem 54 milhões de habitantes vivendo abaixo da linha da pobreza e 15 milhões abaixo da linha da miséria. Tragicamente, somos campeões no quesito da desigualdade social. A elite brasileira é uma das mais atrasadas do mundo, e nossas instituições sociais ainda preserva um ranço do passado escravocrata do país (...) estas tristes características da sociedade brasileira justificam um reforço da tutela dos direitos humanos no campo privado, em que reinam a opressão e violência. Tal quadro desalentador impõe ao jurista com consciência social a adoção de posições comprometidas com a mudança do status quo. Por isso, não hesitamos em afirmar que a eficácia do direitos individuais na esfera privada é imediata no ordenamento jurídico brasileiro. Esta, para nós, não é só uma questão de direito, mas também de ética e justiça”.
No nosso sentir, a eficácia dos direitos fundamentais às relações privadas deve ser analisada no caso concreto, com equilíbrio e ponderação, devendo o intérprete conjugar os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal com os princípios do “pacta sunt servanda”, autonomia da vontade e livre iniciativa, à luz da regra da proporcionalidade, que se segmenta nas premissas da necessidade, adequação e proporcionalidade stricto sensu, que exige sempre ponderação dos valores envolvidos no conflito.
A doutrina tem destacado importante papel do Judiciário na concretização e efetivação dos direitos fundamentais, não sendo este apenas a chamada “boca da lei”, devendo realizar interpretações construtivas e evolutivas do direito, a partir dos princípios constitucionais, com a finalidade de encontrar equilíbrio entre a livre iniciativa e a dignidade da pessoa humana.
O Direito do Trabalho, por pertencer, segundo entendimento dominante da doutrina, ao direito privado, também sofre os impactos dos direitos fundamentais, da mesma forma que os outros ramos do direito privado e, muitas vezes, com intensidade maior, a fim de se garantir a efetiva dignidade da pessoa humana do trabalhador e melhoria de sua condição social.
No aspecto, relevante destacar o Enunciado 1º da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho do TST, “in verbis”:
DIREITOS FUNDAMENTAIS. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO. Os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de maneira a preservar a integridade sistêmica da Constituição, a estabilizar as relações sociais e, acima de tudo, a oferecer a devida tutela ao titular do direito fundamental. No Direito do Trabalho, deve prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana.
Diante do exposto, na hipótese, a decisão judicial, além da jurisprudência, já consolidada do TST pauto-se pela eficácia horizontal e imediata dos direitos fundamentais à saúde, ao lazer, ao convívio familiar, que estão principalmente, no artigo 6º, da CF, na relação de emprego e também no contrato de natureza civil entre empregador e tomador de serviços.
No aspecto sociológico, atualmente, vivemos a fase do Estado Social, que coloca o ser humano no epicentro do direito.

QUESTÃO N. 04

Tem o nome de sentença normativa, a decisão dada no dissídio coletivo, acolhendo ou rejeitando as cláusulas postuladas no dissídio coletivo de natureza econômica ou interpretando e aplicando o direito já existente no dissídio coletivo de natureza jurídica.
Diverge a doutrina sobre a natureza jurídica da sentença normativa. Quanto ao dissídio coletivo de natureza jurídica, não há controvérsia sobre a natureza declaratória da sentença normativa. Quanto à sentença que aprecia o dissídio de natureza econômica, há divergências na doutrina. Para alguns ela é constitutiva por criar direito novo, para outros é dispositiva, pois a Justiça do Trabalho criará, no branco da lei, direito novo, sendo certo que sentença constitutiva apenas cria uma relação jurídica e não direito ainda não existente.
Mesmo apreciando cláusulas econômicas, a jurisprudência, acertadamente, tem exigido que a sentença seja fundamentada, atendendo ao mandamento constitucional previsto no art. 93, IX, da Constituição Federal.
É da essência da sentença normativa ser provisória e precária, pois, conforme reiteradamente vem decidindo o STF, o poder normativo da Justiça do Trabalho atua no branco da lei. Porém, editada a lei, norma de caráter imperativo, esta se sobrepõe a todas as demais fontes secundárias do direito, como a norma coletiva e a sentença normativa.
Mostra-se discutível a seguinte questão: A sentença normativa faz coisa julgada material?
Respondendo afirmativamente a esta questão, temos a respeitável doutrina de Carlos Henrique Bezerra Leite: “Para nós, a sentença normativa faz coisa julgada material (e, logicamente, formal), pois o art. 2o, I, c da Lei n. 7.701/88 dispõe expressamente que compete, originariamente, à sessão especializada em dissídios coletivos ‘julgar as ações rescisórias propostas contra sua própria sentenças normativas’, cabendo-lhe, nos termos do inciso II, alínea b, do referido artigo, julgar em última instância, ‘os recursos ordinários interpostos contra as decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho em ações rescisórias e mandados de segurança pertinentes a dissídios coletivos’. Ora, se cabe ação rescisórias contra sentença normativa, então ela está apta a produzir coisa julgada material (CPC, art. 269)”.
A doutrina majoritária à qual nos filiamos tem se posicionado no sentido de que a sentença normativa não faz coisa julgada material, somente formal, referente ao esgotamento das vias recursais existentes. Como bem adverte Ives Gandra Martins Filho, “a coisa julgada material, no caso da sentença normativa, fica jungida às vantagens já recebidas pelo empregado durante sua vigência, não, porém, em relação às parcelas que poderia vir a perceber durante o prazo total de sua vigência. O art. 6o, § 3o, da Lei n. 4.725/65, vai ainda mais longe em relação a tais pagamentos já efetuados pelo empregador com base em sentença normativa regional, quando impede a repetição do indébito se houver reforma da decisão pelo TST”.
Nesse sentido dispõe a Súmula n. 397, do C. TST, in verbis:

“AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, IV, DO CPC. AÇÃO DE CUMPRIMENTO. OFENSA À COISA JULGADA EMANADA DE SENTENÇA NORMATIVA MODIFICADA EM GRAU DE RECURSO. INVIABILIDADE. CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA. (conversão da Orientação Jurisprudencial n. 116 da SDI-2) Não procede ação rescisória calcada em ofensa à coisa julgada perpetrada por decisão proferida em ação de cumprimento, em face de a sentença normativa, na qual se louvava, ter sido modificada em grau de recurso, porque em dissídio coletivo somente se consubstancia coisa julgada formal. Assim, os meios processuais aptos a atacarem a execução da cláusula reformada são a exceção de preexecutividade e o mandado de segurança, no caso de descumprimento do art. 572 do CPC”. (ex-OJ n. 116 – DJ 11.8.03) (Res. n. 137/2005 – DJ 22.8.2005).
Diante do exposto, no nosso sentir, a sentença normativa não faz coisa julgada material e, portanto, não pode ser objeto de ação rescisória e sim de revisão, caso as condições de trabalho sejam alteradas.
De outro lado, para os que pensam ser cabível a Ação Rescisória para questionar a sentença normativa, ela poderia ser cabível em tese nas seguintes situações, previstas no artigo 485 do CPC, quais sejam: se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;


QUESTÃO N. 05.


A Constituição Federal, tutela nos incisos V e X, do artigo 5º, os direitos à intimidade e privacidade da pessoa humana.
Esses direitos são aplicáveis ao contrato de trabalho. A restrição aos referidos direitos fundamentais do empregado somente podem ser flexibilizadas quando estiverem em choque com outro direito fundamental do empregador, como sua imagem ou propriedade, segundo as circunstâncias do caso concreto e também à luz da regra de ponderação de valores.
No caso da questão proposta, mesmo constando a cláusula de suspensão do contrato de trabalho e mesmo o empregado aderindo a ela na contratação, ela não pode ser validada por atentar contra os referidos direitos fundamentais do trabalhador. Além disso, se trata de cláusula que viola a função social do contrato de trabalho (artigo 421, da CLT) e o equilíbrio contratual.
De outro lado, a cláusula inserida nos contratos de trabalho da transportadora é abusiva (artigo 187, da CLT) e atenta contra direitos fundamentais do trabalhador ao trabalho (artigo 6º, da Constituição Federal) e ao direito à liberdade ao exercício de profissão, previsto no artigo 5º, XIII, da CF.
Na nossa visão, a atitude praticada pela empresa empregadora autoriza o empregado a rescindir indiretamente o contrato de trabalho, com suporte no artigo do artigo 483, da CLT: O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: (...) e) praticar o empregador ou seus pre­postos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo de honra e boa fama.
Diante do exposto, no caso vertente, o empregado faz jus à rescisão indireta, ou, a fim de que seja mantida a relação de emprego, o Juiz do Trabalho, à luz do princípio da função do social do contrato (artigos 421 e 2035, p. único, ambos do CC), que é princípio de ordem pública (aplicável de ofício), considerar a referida cláusula do Regulamento empresarial ilícita e determinar o imediato retorno do empregado ao emprego.


QUESTÃO N. 06

A negociação coletiva tem suporte, principalmente, nos princípios da autonomia coletiva dos particulares, adequação setorial negociada e informação (Maurício Godinho Delgado), função social e boa-fé objetiva.
Outrossim, a norma coletiva, como sendo uma regra positivada no ordenamento jurídico, deve ser interpretada à luz dos princípios do Direito do Trabalho e da melhoria da condição social do trabalhador.
Na hipótese proposta, o auxílio creche é um benefício concedido ao trabalhador que tem filho pequeno. Trata-se de direito de caráter eminentemente social que transcende o aspecto trabalhista para adquirir feição social, uma vez que o benefício tem por escopo a proteção do menor e propiciar melhores condições do exercício do trabalho por parte da mulher.
Sob outro enfoque, o empregado, durante a relação de emprego, muitas vezes não é informado, pelo empregador, dos direitos constantes das normas coletivas, o que viola o direito fundamental à informação.
Embora a cláusula convencional preveja a necessidade da empregada comprovar a necessidade do benefício fazendo o requerimento por escrito, na hipótese do problema, pensamos que tal requisitos não pode ser elidente do benefício, pois é presumido que a trabalhadora com filho menor necessita do benefício. Desse modo, no nosso sentir, cumpria à reclamada comprovar que a trabalhadora não necessita do benefício, por meio de declaração da própria trabalhadora.
A reclamada tem maiores e melhores possibilidades de produzir a prova na hipótese presente, segundo o moderno princípio da aptidão para prova.

O princípio da aptidão para a prova, também chamado pela moderna doutrina de teoria dinâmica da prova, determina que deve produzir a prova não quem detenha o ônus processual (artigos 818, da CLT ou 333 do CPC), mas sim quem detenha melhores condições materiais ou técnicas para produzir a prova em juízo.
Também não se trata de inversão do ônus da prova previsto no Código de Defesa do Consumidor (artigo 6º, VIII), mas de se atribuir simplesmente o ônus da prova à partes que tenha melhores condições de produzi-la.
Trata-se na verdade, da superação da regra do ônus da prova prevista nos artigos 818, da CLT e 333 do CPC, à luz dos princípios constitucionais do acesso à justiça, contraditório, ampla defesa e igualdade substancial dos litigantes, uma vez que no processo, em determinadas circunstância, a prova pode ser produzida com maior facilidade e efetividade por uma parte à qual não detém o ônus da prova.
Como bem adverte Eduardo Cambi :
“Como o escopo de buscar a mais efetiva tutela jurisdicional do direito lesado ou ameaçado de lesão, no Código Modelo o ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobe os fatos, ou maior facilidade na sua demonstração, não requerendo qualquer decisão judicial de inversão do ônus da prova”.
O presente princípio se amolda perfeitamente ao Processo do Trabalho, considerando-se a hipossuficiência e a dificuldade probatória de produção de determinadas provas pelo trabalhador, e as melhores condições de produção de determinadas provas pelo empregador, como nas hipóteses da prova do salário (artigo 464, da CLT), da jornada (artigo 74, parágrafo 2º, da CLT), etc.
De outro lado, o Juiz do Trabalho, deve sempre atual com equilíbrio, avaliando sempre as circunstâncias do caso concreto, à luz dos princípios da razoabilidade proporcionalidade ao aplicar o princípio da aptidão para a prova.
Como bem destaca Carlos Alberto Reis de Paula :
“A aplicação no ônus da prova do princípio da aptidão atende ao escopo social do processo, que é eliminar conflitos mediante critérios justos (...)O fundamento para aplicação do princípio da aptidão da aptidão está na justiça distributiva aliada ao princípio da igualdade, cabendo a cada parte aquilo que normalmente lhe resulta mais fácil. O critério será o da proximidade real e de facilidade do acesso às fontes de prova. Indiscutivelmente, o princípio será aplicado todas as vezes em que o empregado não pode fazer a prova a não ser através de documento ou coisa que a parte contrária detém. Partindo do princípio da boa fé, que informa a conduta processual dos litigantes, todas as vezes que o documento, por seu conteúdo, for comum às partes, haverá também a inversão do ônus da prova, competindo ao empregador colacioná-lo, sob pena de serem admitidas como verdadeiras as alegações feitas pelo empregado”.
No aspecto relevante destacar a seguinte ementa:
Prova – Ônus – Aptidão. Não se deve cristalizar as regras atinentes ao ônus probatório, mas, antes, atender ao princípio da aptidão da prova, de modo que cabe a prova à parte que melhores condições tem para produzi-la. (TRT 15ª R – 1ª T – RO nº 29672/03 – Rel. Francisco Alberto da M. P. Giordani – DJSP 3.10.03 – p.60) RDT nº11 -Novembro de 2003.
Desse modo, no caso vertente, a pretensão seria devida à autora, sinteticamente pelos seguintes argumentos:
a)efetividade da cláusula convencional;
b)boa-fé objetiva e melhoria da condição social do trabalhador;
c)maior aptidão para produção da prova por parte do reclamado;
d)efetividade do direito à informação na relação de emprego.

Postado por: Escritório de Advocacia Andréa Cristina Ferrari

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