quinta-feira, 21 de junho de 2012

RESIDÊNCIA DO SÓCIO EXECUTADO: CÂMARA MANTÉM PENHORA DE IMÓVEL DE ALTO VALOR

RESIDÊNCIA DO SÓCIO EXECUTADO: CÂMARA MANTÉM PENHORA DE IMÓVEL DE ALTO VALOR
Por Ademar Lopes Junior
O imóvel dado a penhora pelos executados, sócios da empresa onde trabalhava o reclamante, credor na ação na 4ª Vara do Trabalho de São José do Rio Preto, era o único imóvel da família e onde residiam os sócios. Por isso, foi defendido pelos executados como sendo bem de família. A propriedade, uma casa de 747 metros quadrados, construída em um terreno com área de 1.110 metros quadrados, está localizada no Jardim dos Estados, na cidade de São Paulo, e foi avaliada em R$ 1,8 milhão.
O juízo de primeira instância liberou da penhora o único imóvel de propriedade dos executados.
Inconformado com a decisão que acolheu os embargos à execução e julgou insubsistente a penhora, recorreu o exequente. Em síntese, sustentou que “o imóvel não pode ser considerado bem de família porque foi dado em caução para garantia das dívidas assumidas pela empresa”. Além disso, afirmou que “o agravado admitiu ter vendido imóvel de menor valor e ter utilizado o capital para a compra de outro suntuoso, o que é vedado pela Lei nº 8.009/1990”. O recorrente ainda salientou que “o direito de propriedade não pode prevalecer sobre a proteção ao trabalhador” e que “o produto obtido em hasta pública será suficiente para a satisfação do crédito e para aquisição de moradia digna para o agravado”. Concluiu dizendo que “a interpretação da lei não pode levar ao absurdo de garantir uma moradia luxuosa para o devedor e nenhuma moradia para o trabalhador”.
O relator do acórdão da 5ª Câmara do TRT, desembargador Samuel Hugo Lima, concordou com os agravantes e lembrou que “o artigo 4º da Lei nº 8.090/1990 estabelece que: ‘Não se beneficiará do disposto nesta Lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da residência antiga’”. E, por isso, entendeu o magistrado que “a má-fé ficou caracterizada”.
Consta dos autos que o imóvel foi adquirido em 20 de setembro de 1994, e, conforme os executados admitiram, “parte dos recursos decorreu da venda de outro imóvel”. O acórdão ressaltou, porém, que “se é que se valeram do numerário obtido com a venda do antigo imóvel para adquirir o que agora constitui objeto de cizânia, e se de fato pretendiam gozar do benefício legal, não teriam caucionado o imóvel, já em 1996, para garantia das obrigações assumidas pela empresa”. Essa situação, segundo o acórdão, pode ser verificada do que está registrado na matrícula do imóvel, “ato esse que sem dúvida implica renúncia ao benefício da impenhorabilidade”.
Depois da compra do imóvel, época em que a empresa ainda gozava de boa saúde financeira, a situação se inverteu, “a ponto de a personalidade jurídica ter de ser desconsiderada, transferindo-se a responsabilidade aos sócios, com quem certamente se encontrava o patrimônio da empresa”, observou o relator. Estes nem sequer alegaram ter outras fontes de renda, suficientes para a aquisição de um imóvel de valor tão significativo, completou o magistrado.
O acórdão destacou que “foi no ano de 2007 que os exequentes foram incluídos no polo passivo, quando a dívida trabalhista totalizava R$ 19.331,18”. A pesquisa no sistema BacenJud foi negativa, porém as declarações de imposto de renda que ambos apresentaram espontaneamente nos autos comprovaram que, ao final daquele ano-base, os dois sócios possuíam dinheiro para quitar a dívida.
A decisão colegiada ressaltou que “não bastasse a evidente má-fé dos executados, a suntuosidade do bem penhorado também justifica a penhora”. Quanto ao termo suntuoso, o acórdão lembrou que o artigo 2º da Lei nº 8.090/1990 estabelece: “Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos”. E como o agravante pretendeu, em sua defesa, ampliar a exceção legal para excluir da impenhorabilidade também o imóvel, atribuindo-lhe a qualidade de suntuoso, o acórdão buscou definir um sentido para o adjetivo “suntuoso” utilizado pelo legislador. Pelo “Novo Dicionário Aurélio”, suntuoso tem dois significados: “1 – com que se faz grande despesa; 2 – em que há grande luxo, pomposo, magnificente, aparatoso, suntuário”, derivada do substantivo “sumpto”, que significa “total das despesas, gasto”. E, com base nisso, concluiu que “a suntuosidade ou a modéstia do bem podem ser aferidas a partir do seu valor”.
O oficial de justiça avaliou o imóvel em R$ 1,8 milhão. Tal valor, segundo o acórdão, “não foi impugnado pelos exequentes, a quem, evidentemente, não interessava diminuí-lo”. Porém, a decisão considerou que “é necessário estabelecer um critério ou parâmetro que seja ao mesmo tempo objetivo, justo e equânime”, o que foi conseguido com base no Sistema Financeiro da Habitação, que financia imóveis residenciais até o limite de R$ 500 mil. Ainda segundo o acórdão, esse é “o valor máximo que é acessível à universalidade das pessoas” e, por isso, “pode ser utilizado como limite a partir do qual um imóvel pode ser considerado suntuoso”.
Em conclusão, o acórdão julgou subsistente a penhora do imóvel de propriedade do sócio, determinando o prosseguimento da execução. Em seu entendimento, amplamente demonstrado, foram considerados em conjunto “o princípio da dignidade da pessoa humana”, que “inspira a Lei 8.090/1990 a fim de garantir moradia digna ao devedor e à sua família”, sendo também “o princípio maior que orienta o legislador a criar todo um sistema de proteção do trabalhador, até porque o salário é a única garantia do seu sustento e da sua família”. Também foi considerado que “se o devedor tem direito à propriedade (Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXII), esta deve atender a função social (Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXIII)”.
Por fim, salientou ao devedor que “o direito constitucionalmente garantido é à moradia digna, não à propriedade de imóvel à sua escolha, muito menos se são trabalhistas os credores que padecem aguardando o cumprimento do julgado, não obstante tenham direito, além da dignidade humana, à duração razoável do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição)”.
O acórdão concluiu que “não há conflito de princípios, senão conflito entre dois interesses resguardados por um único princípio constitucional”, e que “a solução desse aparente conflito se resolve por intermédio da equidade, garantindo-se a ambos a parcela de dignidade possível”. E resumiu, considerando que “se os sócios não quiseram pagar a dívida, conquanto tivessem caixa para tanto, não podem desvirtuar a finalidade social da propriedade para aniquilar o sacro direito decorrente da relação de trabalho”. (Processo 0221600-70.2005.5.15.0133)


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